Pensata

Luiz Caversan

14/02/2004

Tempo, tempo

Você com certeza conhece alguma pessoa assim: nunca tem tempo pra nada, está permanentemente "ocupadésima", correndo, esbaforida, atrasada.

Diz sempre que está "na lama", tudo o que tem a fazer é "para ontem", não sabe quando vai conseguir "dar um tempo", o dia é curto demais para tudo o que não consegue fazer.

No meu ambiente, o jornalístico, esse tipo é figurinha fácil, encontrável em qualquer Redação de jornal, revista, rádio ou TV.

Mas ele também se prolifera em outros ambientes.

Convivi anos com uma personalidade do gênero "não tenho tempo pra nada" e posso garantir que se tratava de uma relação decididamente insuportável. O pior é que não podia me afastar dessa "pessoa" por uma razão muito simples: era eu mesmo!

Ah, que inveja eu sentia de todos aqueles que --se é que isso realmente tornou-se possível-- conseguiam aplicar em suas vidas os preceitos do italiano Domenico De Masi e seu "ócio criativo".

Quanta culpa por não poder sequer suportar a idéia de ficar parado por algum minutos, simplesmente meditando, porque a sensação de "tempo perdido" não deixava.

Quanto desespero para agüentar pelo menos uma hora de exercícios numa academia, sem que a certeza de que milhares de coisas estavam sendo deixadas de serem feitas naquele momento me levassem a (paradoxalmente) sair correndo em direção a alguma coisa "útil"...

Era muito difícil conviver com essa espécie de "síndrome do coelho da Alice", aquele do "País das Maravilhas" de Lewis Carroll, que corre desesperado com seu relógio, sempre e sempre atrasado.

Isso tudo vem à mente agora por conta de artigos recentes na imprensa que retomam a discussão sobre a utilização do tempo na vida moderna, como os relacionados ao lançamento em breve do best-seller europeu "Dez Considerações Sobre o Tempo", da sueca Bodil Jonsson.

E não posso deixar de constatar, felizmente, que me livrei da tal "síndrome". Se não totalmente, pelo menos em grande parte.

Contribuiu para isso, com certeza, uma série de fatores pessoais: a proximidade dos 50 anos, uma crise "braba" de depressão, o fim de um relacionamento longo, a filha menina que se tornou moça e soltou-se no mundo, a rapidez com que o tempo por si só se esvai rapidamente, sem que precisemos dar qualquer tipo de "ajuda" nesse sentido.

Enfim, fatores que levaram à constatação e à aceitação de que é impossível observar a vida corretamente se a velocidade que impomos a ela ou deixamos que ela desenvolva por uma inércia equivocada cria efeito semelhante ao que ostenta a paisagem próxima na janela do veículo em alta velocidade: borrada, indefinida, fugaz, ininteligível.

Estou convencido de que a tolerância que conseguirmos criar em relação à passagem do tempo tende a se converter em um tesouro nas nossas vidas.

Só precisamos, para usufruir dessa generosidade da existência, arrumar "um tempinho" para permitir que isso ocorra.

É o desafio que se impõe.

Luiz Caversan é jornalista, produtor cultural e consultor na área de comunicação corporativa. Foi repórter especial, diretor da sucursal do Rio da Folha, editor dos cadernos Cotidiano, Ilustrada e Dinheiro, entre outros. Escreve aos sábados para a Folha Online.

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