Pensata

Luiz Caversan

21/02/2004

Depressão e Carnaval

Nestes dias em que a folia rola solta por quase todo o Brasil, acontece o que costumo chamar de "paradoxo do país da alegria".

Ao mesmo tempo em que milhões estão sassaricando por aí, extravasando uma felicidade às vezes genuína, às vezes anabolizada por estímulos diversos, nem sempre recomendáveis, muitos, mas muitos mesmo, estão se perguntando: por que eu não consigo compartilhar dessa animação toda? Por que, enquanto todos estão felizes, cantando, brincando, eu estou aqui...deprimido?

Talvez não haja situação pior para aqueles que enfrentam a depressão no seu dia-a-dia do que a alegria generalizada. Nada mais excludente, nada mais paralisante, nada mais incapacitante para esse número cada vez maior de vítimas da "doença do século".

Do ponto de vista clínico, não é possível dizer que seja melhor ou pior enfrentar a depressão no Brasil, na Alemanha ou no Alasca. O inverno e a escuridão prolongada do hemisfério norte propiciam a débâcle de qualquer ânimo, estimulando ainda mais a depressão? Sim, é verdade.

Mas creio que seja muito mais difícil justificar a própria existência, quando se é obrigado a suportar uma personalidade exageradamente melancólica, em meio à zorra e à descontração.

No entanto, como qualquer portador da depressão sabe muito bem (ou pelo menos deveria saber), assim como dever ter consciência seus familiares, a luta é diária, contínua e muitas vezes sem fim.

Dia desses, em conversa com uma psicanalista, surgiu a comparação: a depressão se instala e permanece no organismo de uma pessoa assim como cupins passam a infestar uma casa: lenta e silenciosamente.

Entram pelas bordas, se imiscuem nos cantos mais recônditos e vão devorando, quieta e permanentemente, seu hospedeiro.

Quando o dono da casa menos espera, eles desabrocham com todo seu vigor, e portas, armários, móveis, pisos e divisórias estão irremediavelmente comprometidos.

Com a depressão ocorre a mesma coisa, com a eventual diferença de que um trauma, um evento inesperado, uma situação de estresse ou a perda da resistência física e/ou psicológica pode favorecer o desequilíbrio da química cerebral e o florescer da doença.

Mas, assim como no caso dos cupins, os indícios da "contaminação" começam a surgir antes que a "praga" esteja completamente instalada.

Um bichinho voando aqui, uma madeira oca ali, um montinho de serragem acolá, e é possível intuir que eles se encontram por detrás da realidade visível.

Eis que com o "bichinho" da depressão ocorre a mesmíssima coisa.

E é por isso que deve-se tomar muito e permanente cuidado com a "casa". Nada de "quartos" escuros e sempre fechados, de "tralha acumulada", de "sujeira pelos cantos", de "móveis" mal ajambrados.

É preciso perseverança e atenção agora, daqui a pouco, amanhã e depois.

Afinal, se não pudermos mais habitar essa "casa", não teremos onde morar...

Luiz Caversan é jornalista, produtor cultural e consultor na área de comunicação corporativa. Foi repórter especial, diretor da sucursal do Rio da Folha, editor dos cadernos Cotidiano, Ilustrada e Dinheiro, entre outros. Escreve aos sábados para a Folha Online.

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