Pensata

Luiz Caversan

17/04/2004

Infância e sabedoria

Hoje vi uma senhora caminhando na rua. Ia com seu passo vagaroso, um pouquinho curvada, os cabelos brancos como que coroando a cabeça pequena.

Diminui o ritmo de meus passos para poder observá-la um pouco mais por trás, aquela figura frágil, e que contrastava com a "modernidade" e a agitação de tudo à volta.

À medida que ia ultrapassando aquela senhora, tomando cuidado para manter distância suficiente para observá-la, fui ficando cada vez mais encantado. Seu semblante era absolutamente sereno. O olhar firme no horizonte e o princípio de sorriso nos lábios me instigaram ainda mais, a ponto de eu indelicadamente permanecer olhando.

Percebendo meu interesse, ela se voltou para mim e me fitou com seus olhos claros e profundos. Então sorriu de verdade, um sorriso luminoso, contagiante.

Sem saber o que fazer, disse "bom dia", no que fui prontamente correspondido pela senhora, que imediatamente voltou a mirar seu caminho e a segui-lo, firme e já não tão forte assim, mas com a segurança de quem sabe de onde veio e para onde vai, com toda a experiência dos anos a apoiá-la.

Fiquei a imaginar a vida daquela mulher, todas as suas lutas e experiências passadas, tudo o que tinha vivenciado para chegar ali, passando dos 80 anos, segura e confiante, rumo ao caminho que se lhe abria à frente.

Foi então que, meio sem saber por qual razão, me lembrei das crianças. Ou melhor, da importância e da necessidade de ser criança. Daí a recordar do texto denominado "Tudo o que eu precisava saber eu aprendi no jardim da infância", do escritor Robert Fulghum, foi um instante. Não conheço mais nada desse autor, apenas o texto do qual me lembrei. Mas é um texto que me enternece porque boa parte do que verdadeiramente importa na vida está ali, nos anos mais tenros de nossas vidas. Sempre esteve; a gente que não percebe.

Eis o texto. Vale a pena lê-lo:

"A maior parte do que eu realmente precisava saber sobre viver e o que fazer e como ser, eu aprendi no jardim da infância. Na verdade, a sabedoria não está lá no alto morro da faculdade, mas sim bem ali, na caixa de areia da escolinha.

As coisas que aprendi foram estas: reparta as coisas, jogue limpo, não bata nos outros, ponha as coisas de volta onde as encontrou, limpe a bagunça que você fez, não pegue coisas que não são suas, diga que você sente muito quando machucou alguém, lave as mãos antes de comer, puxe a descarga, biscoitos e leite quentinho fazem bem.

Viva uma vida equilibrada: aprenda um pouco, pense um pouco, desenhe e pinte e cante e dance e brinque e trabalhe um pouco todos os dias.

Tire um cochilo todas as tardes. Quando você sair por aí, preste atenção no trânsito e caminhe, de mãos dadas, junto com os outros.

Observe os milagres acontecerem ao seu redor. Lembre-se do feijãozinho no algodão molhado, no copinho plástico. As raízes crescem para baixo e ninguém sabe como ou por que, mas todos somos assim.

Peixinhos dourados e porquinhos da Índia e ratinhos brancos e mesmo o feijãozinho do copinho plástico --todos morrem. Nós também. E lembre do livro do Joãozinho e Maria e a primeira palavra que você aprendeu, sem perceber.

A maior palavra de todas: OLHE!!!!! Tudo o que você precisa mesmo saber está aí, em algum lugar. As regras básicas do convívio humano, o amor, os princípios de higiene; ecologia, política e saúde. Pense como o mundo seria melhor se todos, todo mundo, na hora do lanche tomasse um copo de leite com biscoitos e depois pegasse o seu cobertorzinho e tirasse uma soneca.

Ou se tivéssemos uma regra básica, na nossa nação e em todas as nações, de pôr as coisas de volta nos lugares onde as encontramos e de limpar a nossa própria bagunça.

E será sempre verdade, não importa quantos anos você tenha, se você sair ¤por aí, pelo mundo afora, o melhor mesmo é poder dar as mãos aos outros, e caminhar sempre juntos."

Luiz Caversan é jornalista, produtor cultural e consultor na área de comunicação corporativa. Foi repórter especial, diretor da sucursal do Rio da Folha, editor dos cadernos Cotidiano, Ilustrada e Dinheiro, entre outros. Escreve aos sábados para a Folha Online.

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