Pensata

Luiz Caversan

09/10/2004

Crianças para sempre

Outro dia o caderno Equilíbrio da Folha trouxe um material sensacional em sua singeleza e simplicidade. Eram depoimentos de crianças explicando, com suas próprias palavras, por qual razão elas gostavam daquilo que eram, ou seja, crianças.

Eis aqui, resumidas, algumas das respostas:

Porque tomo sorvete e brinco de teclado e a gente corre atrás da pombinha. (Henrique, 4)

Porque eu posso brincar de moto de dia e de noite (Guilherme, 3)

Porque eu posso comer coisas mais gostosas que os adultos (Manuela, 8)

Porque posso brincar de boneca, de pega-pega, de desenhar e de pintar (Ianca, 8)

Porque quando a gente é adulto tem que pagar aluguel e não tem dinheiro (Débora, 6).

Que atire o primeiro pirulito aquele marmanjo que nunca morreu de vontade de correr atrás de pombas, jamais quis pilotar uma moto imaginária ou voltar à delícia do pega-pega e comer todas as coisas gostosas que a "boa educação" nos vetam. E quem é que nunca pensou, na hora de morrer com o dinheiro do aluguel, do condomínio, do imposto, do porteiro etc.etc., como era bom quando, para se viver bem, bastava ter um a cabaninha e muita imaginação?

Na minha infância na Vila Esperança, anos 60, então farta de terrenos e quintais, as cabaninhas eram nossos castelos e casamatas, de onde partíamos para batalhas inomináveis contra os selvagens que ousavam invadir nosso território.Os mocinhos e índios eram a mesma turma dividida em duas. E eu adorava ser índio. E adorava mais ainda ser abatido no alto de um barranco, de onde rolava dramaticamente até me espatifar no chão de terra batida. Ainda bem que era meio úmido o nosso "Grand Cannyon", o que ocasionava raladuras apenas superficiais.

Ao ler os depoimentos crianças no jornal fiquei aqui matutando sobre este passado, e a sensação não poderia ter sido melhor.

Por mais que a vida nos embruteça, por maiores que sejam as dificuldades do dia-a-dia, é no escaninho da memória que ainda se escondem nossa capacidade de fantasiar, de voar atrás de pombas, de comer todas as guloseimas do mundo, de pintar um céu cheio de arco-íris. É ali, enfim, que se encontra a essência de nossa felicidade. Da verdadeira felicidade, digo. Aquela que só é permitida às crianças, que conseguem enxergar todo o universo numa bola de gude.

Uma leitora chamou minha atenção para o fato de, no artigo da semana passada, eu ter corrido o risco de generalizar a tristeza e a solidão como indicativos únicos de depressão.

Se passei essa idéia, peço desculpas. Porque, como já disse aqui muitas vezes, depressão é uma doença multicausal e tem diversos sintomas e sujeita o portador a várias reações físicas e psicológicas.

Tanto que o manual da Associação Americana de Psiquiatria lista uma série de sintomas para que se possa aferir se uma pessoa está deprimida.

Claro que sempre e sempre a opinião do médico é indispensável, a avaliação clínica ou psiquiátrica, fundamental. Mas os dados do manual são públicos e dizem o seguinte:

Pode-se concluir que uma pessoa está vivendo um episódio de depressão se apresentar pelo menos cinco (5) dos nove sintomas relacionados abaixo, sendo que os dois primeiros são obrigatórios:

1 - Humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias. A ausência de alegria pode ser indicada por relato do paciente (diz que se sente triste ou vazio) ou pela observação de pessoas de sua convivência (observa que ele chora muito). Em crianças e adolescentes, a tristeza pode dar lugar à irritação.

2 - Diminuição acentuada do interesse ou do prazer em relação a todas ou quase todas as atividades, na maior parte do dia, quase todos os dias.

3 - Aumento ou diminuição do apetite todos os dias, perda ou ganho expressivo de peso sem que ocorra mudança na dieta. O aumento ou diminuição do peso deverá ser de 5% em um mês. Nas crianças, deve-se observar mudanças fora dos padrões normais do processo de crescimento.

4 - Insônia ou excesso de sono quase todas as noites.

5 - Agitação psicomotora ou retardo nos movimentos.

6 - Cansaço ou perda de energia quase todos os dias.

7 - Sentimento de inutilidade ou culpa exagerada.

8 - Diminuição da capacidade de pensamento, de concentração e de tomar decisões quase todos os dias.

9 - Pensar em morte com freqüência (não apenas ter "medo de morrer"), imaginar o suicídio sem um plano específico, fazer planos específicos para se matar ou efetivamente tentar o suicídio.

Os dois primeiros itens são obrigatórios no diagnóstico da depressão porque a característica fundamental do transtorno é essa mesmo: a ocorrência, durante pelo menos duas semanas, do humor deprimido e da perda de qualquer tipo de interesse ou prazer mesmo diante de coisas ou situações que normalmente seriam motivadoras. A apatia predomina.

Quanto aos demais sintomas, pode-se "escolher" mais três. Do aumento ou diminuição do peso à perda da auto-estima e ao permanente sentimento de culpa, passando pelo cansaço persistente e pela ruminação de pensamentos recorrentes, em geral negativos, o que impede ou diminui drasticamente a capacidade de concentração.

Mas, antes de chegar a qualquer conclusão, fale com um médico.

Luiz Caversan é jornalista, produtor cultural e consultor na área de comunicação corporativa. Foi repórter especial, diretor da sucursal do Rio da Folha, editor dos cadernos Cotidiano, Ilustrada e Dinheiro, entre outros. Escreve aos sábados para a Folha Online.

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