Pensata

Luiz Caversan

14/02/2009

Meu querido banco

Quem nunca ficou p. da vida com seu banco levanta a mão!

Será que há alguém?

Outro dia fiquei bem triste com meu banco.

Quis saber se seria possível receber dólares por um eventual trabalho no exterior via meu banco. Poucos dólares, de um possível trabalho, vou logo avisando...

Entrei no site do banco, vi que o dólar naquele dia custava R$ 2,28 tanto para a compra quanto para a venda, mas não obtive mais informações sobre o tipo de operação que queria.

Por isso liguei para a gerente, que logo me explicou tudinho, usa-se um "invoice", deposita lá fora, cai na minha conta aqui dentro, eu declaro tudo e pago os impostos, tudo muito fácil e rápido e uma taxa de R$ 45 pela operação.

Ok, beleza. Só para conferir, perguntei: se a operação fosse realizada naquele dia, quanto daria o valor em Real?

Opa, a resposta da moça não bateu com a conta que eu havia feito em cima da cotação colhida no site do próprio banco.

Por quê?

Ah, explicou a gentil gerente, no site é apenas uma referência. Se você for fazer a operação o banco paga R$ 2,21 por dólar.

Ué, mas a cotação de mercado não é calculada justamente em cima do preço que vocês cobram? Vocês são o mercado!

Sim, mas não, é apenas uma referência. No site tem o preço de mercado, mas cada banco cobra um valor, explicou mais uma vez gentilmente a moça.

Ok, então vamos fazer de conta que eu quero comprar dólar, em vez de vender; quanto vocês cobram, perguntei certo de que faria um bom negócio comprando e não mais vendendo.

O banco, ouvi, cobra R$ 2,34.

Ou seja: o valor de mercado era de R$ 2,28 para compra ou venda, mas seu eu fosse vender, o banco pagaria menos, se fosse comprar, cobraria mais...

Ou seja 2: a cotação do mercado, ao qual o banco pertence, é "apenas uma referência", e o cliente comprando ou vendendo sai sempre perdendo...

É por essas e outras que o pessoal anda muito bravo com os bancos.

Hoje mesmo recebi mais de uma vez pela internet a cópia vez uma cartinha na qual um cliente bem contrariado, mas cheio de estilo, diz algumas boas aos donos do dinheiro.

Ele cita nominalmente o banco, mas como não tenho o nome do autor da carta (se quiser se identificar, por favor, fique à vontade...), omito também o nome da instituição, alertando os leitores que deve haver bancos que eventualmente não se comportam da maneira descrita pelo cliente (se algum banco quiser contra argumentar, por favor, também fique à vontade...).

Eis trechos daa saborosa cartinha:

"Caros Diretores do Banco X

Gostaria de saber se os senhores aceitariam pagar uma taxa, uma pequena taxa mensal, pela existência da padaria na esquina de sua rua, ou pela existência do posto de gasolina ou da farmácia ou da feira ou de qualquer outro desses serviços indispensáveis ao nosso dia-a-dia.

Funcionaria assim: todo mês os senhores e todos os usuários pagariam uma pequena taxa para a manutenção dos serviços (padaria, feira, mecânico, costureira, farmácia etc). Uma taxa que não garantiria nenhum direito extraordinário ao pagante. Existente apenas para enriquecer os proprietários sob a alegação de que serviria para manter um serviço de alta qualidade.

Por qualquer produto adquirido (um pãozinho, um remédio, uns litros de combustível etc.), o usuário pagaria os preços de mercado ou, dependendo do produto, até um pouquinho acima.

Que tal?

Pois ontem saí de seu banco com a certeza de que os senhores concordariam com tais taxas. Por uma questão de equidade e de honestidade.

Minha certeza deriva de um raciocínio simples. Vamos imaginar a seguinte cena: eu vou à padaria para comprar um pãozinho. O padeiro me atende muito gentilmente. Vende o pãozinho. Cobra o embrulhar do pão, assim como, todo e qualquer serviço. Além disso, me impõe taxas. Uma 'taxa de acesso ao pãozinho', outra 'taxa por guardar pão quentinho' e ainda uma 'taxa de abertura da padaria'. Tudo com muita cordialidade e muito profissionalismo, claro.

Fazendo uma comparação com a qual talvez os padeiros não concordem, foi o que ocorreu comigo em seu banco.

Financiei um carro. Ou seja, comprei um produto de seu negócio. Os senhores me cobraram preço de mercado. Assim como o padeiro me cobra o preço de mercado pelo pãozinho.

Entretanto, diferentemente do padeiro, os senhores não se satisfazem me cobrando apenas pelo produto que adquiri.

Para ter acesso ao produto de seu negócio, os senhores me cobraram uma "taxa de abertura de crédito" -- equivalente àquela hipotética 'taxa de acesso ao pãozinho', que os senhores certamente achariam um absurdo e se negariam a pagar.

Não satisfeitos, para ter acesso ao pãozinho, digo, ao financiamento, fui obrigado a abrir uma conta corrente em seu banco.

Para que isso fosse possível, os senhores me cobraram uma "taxa de abertura de conta". Como só é possível fazer negócios com os senhores depois de abrir uma conta, essa "taxa de abertura de conta" se assemelharia a uma 'taxa de abertura da padaria', pois só é possível fazer negócios com o padeiro depois de abrir a padaria.

Antigamente, os empréstimos bancários eram popularmente conhecidos como "papagaios". Para liberar o 'papagaio', alguns gerentes inescrupulosos cobravam um "por fora", que era devidamente embolsado.

Fiquei com a impressão que o banco resolveu se antecipar aos gerentes inescrupulosos. Agora, ao invés de um 'por fora', temos muitos "por dentro".

Bem, tirei um extrato de minha conta --um único extrato no mês-- e os senhores me cobraram uma taxa de R$ 5.

Olhando o extrato, descobri uma outra taxa de R$ 7,90 para a "manutenção da conta", semelhante àquela "taxa pela existência da padaria na esquina da rua".

A surpresa não acabou: descobri outra taxa de R$ 22,00 a cada trimestre - uma taxa para manter um limite de cheque especial que não me dá nenhum direito. Se eu utilizar o limite especial vou pagar os juros (preços) mais altos do mundo. Semelhante àquela "taxa por guardar o pão quentinho"...

Mas os senhores são insaciáveis. A gentil funcionária que me atendeu, me entregou um caderninho onde sou informado que me cobrarão taxas por toda e qualquer movimentação que eu fizer.

Cordialmente, retribuindo tanta gentileza, gostaria de alertar que os senhores esqueceram de me cobrar o ar que respirei enquanto estive nas instalações de seu banco.

Depois que eu pagar as taxas correspondentes, talvez os senhores me respondam informando, muito cordial e profissionalmente, que um serviço bancário é muito diferente de uma padaria. Que sua responsabilidade é muito grande, que existem inúmeras exigências governamentais, que os riscos do negócio são muito elevados etc. e tal. Presumo que os riscos de uma padaria, que não conta com o poder de influência dos senhores, talvez sejam muito mais elevados..

E, ademais, tudo o que estão cobrando está devidamente coberto por lei.

Sei disso. Como sei, também, que existem seguros e garantias legais que protegem seu negócio de todo e qualquer risco.

Sei que são legais. Mas, também sei que são imorais. Por mais que estejam garantidas em lei, vocês concordam o quanto são abusivas?"

Luiz Caversan é jornalista, produtor cultural e consultor na área de comunicação corporativa. Foi repórter especial, diretor da sucursal do Rio da Folha, editor dos cadernos Cotidiano, Ilustrada e Dinheiro, entre outros. Escreve aos sábados para a Folha Online.

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