Pensata

Luiz Caversan

20/06/2009

A verdadeira passarela da moda

Que Fashion Week, que nada. Oscar Freire? Rua Augusta? Shoppings chiques e très chics?

Nada disso.

A verdadeira passarela da moda está longe dos endereços hype da cidade de São Paulo, esta cidade em que os dias frios e ensolarados estimulam o "povo" a tirar do closet suas pashminas, couros e peles e mandar ver na street fashion.

Não, street fashion de verdade está aqui pertinho de casa, sob a longa, escura e fedorenta passarela do Minhocão.

Como já expliquei aqui para quem vive noutras paragens e não sabe do que se trata, Minhocão é o apelido "carinhoso" dado à imensa via elevada que corta um longo trecho da cidade, saindo da avenida Consolação e chegando à avenida Pacaembu, na direção oeste.

Obra do Maluf, que criou uma área de deterioração permanente na cidade quando foi prefeito biônico há 40 e tantos anos. Trata-se de uma monstruosidade arquitetônica, urbanística e viária, que nenhum governante teve coragem de derrubar.

Pois os baixos do Minhocão são desde sempre abrigo para o povo que ostenta a verdadeira moda da rua, por um motivo muito simples: eles não têm outro lugar para ficar a não ser na rua mesmo, posto que são mendigos, loucos, viciados, pivetes, desvalidos em geral.

Um amigo que trabalha na Prefeitura me garante que a cidade possui tantas vagas em abrigos públicos quantos são seus moradores de rua, mas que essa gente não quer ir para os abrigos e a lei impede que a Prefeitura os leve contra a vontade.

Então eles ficam por aí, mesmo, pelas esquinas e se abrigando como podem, encontrando no Minhocão e seus vãos e colunas endereço certo, sobretudo no frio de rachar das noites paulistanas.

Nessa passarela, como disse, há de tudo o que é gente castigada pelo destino, velhos, moços e nem uma coisa nem outra, aquelas pessoas de idade indefinida, sabe?

E os modelitos? São de arrasar. Arrasar de pena e tristeza, aquele monte de roupa velha e fedida sobreposta, cobertores de lã áspera e dura que serviriam no máximo para proteger carga de caminhão, meias furadas e sapatos sem solas, caixas de papelão servindo de aparador de vento, fogueirinhas feitas de lixo para cozinhar em latas enegrecidas algo muito pouco diferente do lixo em si.

E ali eles comem, bebem, consomem crack, dormem, copulam, defecam e desfilam sua miséria.

Ao menos protegidos sob monstro de concreto, único amparo que recebem dessa cidade que a eles nada oferece _ a lei, ora a lei...

Nada contra o mundo fashion e seus glamoures, muito ao contrário, a beleza e a genialidade de nossa gente é para ser mostrada mesmo.

Mas o que fazer com os que têm para exibir apenas molambos, bocas desdentadas e a certeza de que as madrugadas deste inverno serão geladas e longas, muito longas?

Aceitam-se sugestões...

Luiz Caversan é jornalista, produtor cultural e consultor na área de comunicação corporativa. Foi repórter especial, diretor da sucursal do Rio da Folha, editor dos cadernos Cotidiano, Ilustrada e Dinheiro, entre outros. Escreve aos sábados para a Folha Online.

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