Pensata

Luiz Caversan

15/08/2009

Você é triste e não sabia...

Nada menos que 47% dos casos de depressão ainda não são diagnosticados, diz pesquisa revelada esta semana.

Tem gente que é triste e não sabe

Ou melhor, sabe, mas quem não vê ou não quer ver é o médico, o clínico geral.

É assim: quase metade das pessoas que estão em desconforto com a vida, sentem-se mal, desanimadas e/ou sem forças para ir à luta, com muito ou sem nenhum apetite, tanto o normal como o sexual, com insônia ou dormindo demais, e vai a um clínico geral em busca de ajuda, acaba ganhando receita de vitamina ou de aspirina, quando está mais é com vontade de tomar estricnina

Por quê? Especula-se: os médicos generalistas não estão preparados para reparar na tristeza da pessoa, ou naquela paralisia que é anterior à tristeza e que impede a pessoa de tornar-se pessoa de verdade, interagindo com a vida em função de suas vicissitudes, e não de fantasias deletérias e incapacitantes --o sintoma de fundo da depressão.

Posto que precisa atentar para tantas outras funções, as hepáticas, glandulares e hormonais, o clínico desavisado ou apressado na sua consulta de 15 minutos acaba deixando para lá outra funções muito mais complicadas, porque dizem respeito ao estado de espírito.

- Você é feliz?

Imagina quanta gente iria se assustar se o médico do posto de saúde perguntasse isso na consulta ao cidadão que perdeu a vontade do emprego e da mulher, está oito quilos mais gordo e tem desânimo até para suspirar?

Porque convencionou-se que essas "frescuras", aqui incluída a tristeza se fim que chega de mansinho e se instala nas mentes transtornadas, são coisas à toa.

Não, doutor, a tristeza que vem com a depressão é a do pior tipo, dá vontade de morrer mesmo, porque é aquela que não tem motivo

Porém, e sempre há um porém, a tal pesquisa (publicada originalmente na "Lancet" e esta semana na Folha) traz um aparente paradoxo: em 20% dos casos diagnosticados, o paciente não tem depressão coisa nenhuma.

Parece, mas não é, o que deixa ainda mais claro aquilo que faz com que a depressão não seja notada nos outros 47% lá de cima: ela se parece com muitas outras coisa.

Parece com disfunção da tireóide, parece com a dor da perda de alguém que morreu ou de um amor que se foi, parece com disfunção hormonal que aumenta o peso, parece com anemia, parece com insônia causada por estresse, enfim.

Faz 11 anos que me interesso por esse tema, desde que comecei a ficar sem apetite, com excesso de sono, sem vontade de fazer nada que causasse prazer e sobretudo triste, muito triste. Desde então tenho visto a gradativa diminuição do preconceito (contra psiquiatras e "remédios de tarja preta"), o surgimento de antidepressivos fantásticos, a volta da auto-estima em quem luta contra esse transtorno e a vida de muita gente, inclusive a minha, melhorar.

Vi até especialistas preocupados com o fato de a depressão estar "virando moda", temor que os 20% de diagnósticos errados de certa forma comprovam.

O que espanta, no entanto, é que médicos generalistas possam, de acordo com a pesquisa, se enganar em quase metade dos casos que atendem.

Ok, os psiquiatras estão aí para isso, mas a coisa seria bem mais simples se, assim como o fazem doutores bacanas de horizontes amplos, os clínicos auscultassem não apenas o coração e a pressão, mas também as dores que vêm da alma, que muitas vezes revelam todos os males do corpo.

Um dia, quem sabe, chegaremos lá

Luiz Caversan é jornalista, produtor cultural e consultor na área de comunicação corporativa. Foi repórter especial, diretor da sucursal do Rio da Folha, editor dos cadernos Cotidiano, Ilustrada e Dinheiro, entre outros. Escreve aos sábados para a Folha Online.

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