Anos
atrás, cobri como jornalista uma conferência de Zé
Miguel Wisnik sobre "Ilusões Perdidas", o romance
de Balzac, e o jornalismo cultural contemporâneo.
Fui
menos isento do que deveria. Wisnik vinha de ser atacado pelo
crítico musical Luís Antônio Giron, colega
de redação, e eu vi na conferência _e no paralelo
com o jornalismo cultural balzaquiano_ um contra-ataque ao nosso
jornalismo crítico. Mal sabia eu.
Muita
coisa passou, trabalhei com o mesmo Wisnik num espetáculo
de Genet, eu como assistente de direção, ele como
diretor musical, compositor e cantor. Relendo o livro, semanas
atrás, com olhos já muito distanciados, encontrei
mais verdade do que gostaria.
Luciano,
o protagonista, vive uma trajetória não muito diferente
da minha, de jovem da província a crítico de teatro
etc. É evidente que, por mais que me sinta distanciado,
ainda acho Luciano uma caricatura, não a realidade.
Mas
está tudo lá, como que distorcido pela visão
do artista, o que é o jornalismo _em especial o cultural,
mas não só ele. Da descrição do jornalista
como "a pessoa que explora uma mina de mercúrio sabendo
que ali há de morrer" até os ensinamentos de
crítica do primeiro editor de Luciano:
_
Meu caro, aprende teu ofício. Qualquer obra, mesmo uma
verdadeira obra-prima, deve tornar-se sob a tua pena uma estólida
bobagem. Transformarás as belezas em defeitos.
Daí
segue para uma aula, por assim dizer, brilhante. Depois do estrago
publicado, novos conselhos, de vários:
_
Pensavas então aquilo que escreveste? Ah! Meu filho, eu
te julgava mais forte. Todas as idéias têm direito
e avesso. Tudo é bilateral no domínio do pensamento.
As idéias são binárias. Jano é o mito
da crítica. Triangular não há senão
Deus! Escreve para o jornal três belas colunas em que te
refutes a ti mesmo. Neste momento és, a seus olhos (do
artista), um espião, um canalha, um tolo; depois de amanhã
serás um grande homem, uma cabeça forte, um varão
de Plutarco!
_
Meus amigos, palavra de homem honesto, sou incapaz de escrever
duas palavras de elogio...
_
Terás mais de cem francos.
_
Mas que hei de dizer?
_
Escuta aqui, de que modo podes te arranjar, meu filho...
E
segue outra aula brilhante, agora de como exaltar a mesma obra,
no que hoje seria descrito como relativismo. É uma caricatura,
obviamente, como o são outras passagens, ainda mais constrangedoras
de citar. Foi o que Wisnik apontou, não sem certo rancor,
na conferência.
O
que se pode dizer em favor do jornalismo cultural _e dos demais_
é que esse não é seu único papel,
sua única dramaturgia. Ele tem outras, que é preciso
trazer para a boca de cena, para não se deixar levar pela
desilusão.
Não
é por desilusão, mas com este texto eu deixo de
escrever regularmente para a Pensata. Há alguns meses,
tornei-me editor da Ilustrada e não vinha conseguindo escrever
com a dedicação que os meus poucos e pacientes leitores
merecem. Semana passada, nem consegui enviar o texto a tempo.
Deixo um abraço a todos.
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