Pensata

Sérgio Malbergier

29/06/2008

Ricos mais ricos, pobres mais ricos

Sempre foi assim, mas hoje parece mais assim ainda, a economia explicando e guiando o Brasil no século 21 enquanto nossa prática política, parada no século passado, só explica o nosso atraso.

Assim lemos na mesma semana (no caderno de economia, claro) que o número de milionários cresceu 19,1% no Brasil no ano passado e que o desemprego recuou ao seu menor registro em maio (7,9%), puxado pelo emprego de menor rendimento.

Para um país avançar é preciso que ricos fiquem mais ricos e pobres fiquem mais ricos. Uma das inúmeras dádivas do fim do socialismo classista, ilusão que tanto atrasou o século passado, é a percepção geral de que os diferentes setores sociais avançam juntos, não um contra o outro, para a verdadeira criação de riqueza.

É o que acontece mesmo na ainda politicamente comunista China, por exemplo, onde o número de milionários cresceu 20,3% em 2007, atrás só da Índia, onde a quantidade de pessoas com mais de US$ 1 milhão aumentou 22,7%, segundo o estudo global do banco Merrill Lynch e da consultoria Capgemini.

Os dois países que mais crescem no mundo e tiram centenas de milhões da pobreza extrema não por coincidência são os que mais geram novos milionários.

O país de Lula é o terceiro desse ranking criador, com nossos 23 mil novos milionários de 2007 levando o total nacional a 143 mil.

O presidente Lula, dada a sua origem e o seu destino, compreende bem esse baião-de-dois. É a ponte precária e possível até aqui, dado o nosso atraso político, entre os descamisados do Bolsa Família e os que compram camisas Ermenegildo Zegna no chique shopping Cidade Jardim, recém-inaugurado em São Paulo.

Moldada numa trajetória política sempre mais efetiva quando mais pragmática, Lula acabou percebendo o óbvio: que é preciso jogar com o mercado e com a elite econômica do país, não contra eles.

Assim, as empresas brasileiras têm seus maiores lucros, os empresários estão confiantes como não se via há décadas, a população de baixa renda avança com mais emprego e a de baixíssima renda come mais, embora pareça não avançar, com mais assistencialismo garantido pelo aumento da arrecadação de impostos produzida pelo maior crescimento econômico.

Pai dos pobres e mãe dos ricos, Lula teve também sorte cronológica, pegou o país mais estável após anos de política econômica mais ortodoxa e uma economia global em forte expansão, dependente de produtos básicos aqui produzidos, como ferro, soja e carne.

Os crescentes lucros das empresas brasileiras permitem o aumento consistente da massa salarial que fortalece o mercado interno que viabiliza investimentos privados vigorosos que podem levar o Brasil a um ciclo de crescimento virtuoso que não se vê desde os anos 1970.

E desta vez no regime democrático, embora nossa democracia ainda seja uma farsa calcada no crime original do financiamento de campanhas via caixa 2 e da composição de forças guiada exclusivamente pelo fisiologismo e pelas oportunidades de corrupção.

Por mais que a renda cresça e os índices macroeconômicos melhorem, o Brasil ainda é, para milhões e milhões de brasileiros miseráveis, um país a ser feito.

Ao lado do opulento shopping Cidade Jardim tem uma favela. As torres de apartamentos de luxo que compõem o investimento de R$ 1,5 bilhão da construtora JHSF ainda estão sendo finalizadas. Alguns operários descansam numa murada, olhando abaixo o luxuoso shopping a céu aberto onde os consumidores gastam numa bolsa ou num sapato seu salário do mês.

Mas, pelo que mostra o avanço do capitalismo, a riqueza de um não aumenta em detrimento da do outro, mas caminham na mesma direção, por mais desproporcional e injusta que possa ser essa relação.

O paraíso socialista não existe, vamos desenvolver nosso capitalismo.

Sérgio Malbergier é jornalista. Foi editor dos cadernos Dinheiro (2004-2010) e Mundo (2000-2004), correspondente em Londres (1994) e enviado especial da Folha a países como Iraque, Israel e Venezuela, entre outros. Dirigiu dois curta-metragens, "A Árvore" (1986) e "Carô no Inferno" (1987). Escreve para a Folha Online às quintas.

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