Pensata

Sérgio Malbergier

19/02/2009

O ultrapresidencialismo de Lula

Para Jarbas Vasconcelos

A explosiva popularidade do presidente Lula é o último prego no caixão do sistema político brasileiro.

À exuberância de Lula depois de cinco anos de relativo progresso brasileiro, ao qual ele, como presidente, obviamente contribuiu, junte-se a urgência da crise econômica, que enche de poder os Poderes Executivos no mundo inteiro, e a descida cada vez mais funda aos infernos do Congresso nacional.

O resultado é o presidente mais poderoso do ciclo político atual, inevitavelmente comparável a Vargas, para o bem e, esperemos, não para o mal.

O Congresso Nacional não é o palco nem da discussão nem da elaboração das políticas brasileiras. Ele não existe mais como poder da República, mas como poder particular, acesso de grupos organizados, máfias, ao Tesouro Nacional e seus desdobramentos.

As políticas públicas nascem sempre nos gabinetes mais privados de Brasília, com cada vez menos gente decidindo, e Lula, imperial, pontificando sobre tudo e para todos.

Com a mesma desenvoltura, dá pitos e ordens a presidentes dos Estados Unidos e a presidentes de bancos estatais, a banqueiros e a industriais.

O sucesso parece muitas vezes ter lhe subido à cabeça, mas sua boçalidade tão brasileira encanta as multidões, com quem o diálogo é visceral, muito além do ultrapassado discurso político.

Depois desse Congresso PMDB só sobrou mesmo Lula. Até 2010 dependeremos apenas do seu instinto, que até agora funcionou bem na economia, mas há novas condicionantes perigosas:

1) a voga neointervencionista que embora irresistível não deve ter um real ou uma Medida Provisória ou uma estatal a mais do que o necessário;

2) o xadrez político da sucessão, que, dada a nossa imaturidade política, pode degringolar em voluntarismos ou casuísmos típicos da região.

Lula parece ser melhor do que isso. Kennedy Alencar, que muito entende de Lula, já disse que o presidente jamais arriscaria diminuir seu tamanho na história por uma aventura como o terceiro mandato.

Mas diante de uma popularidade sem precedentes, um poder sem limites e uma candidata fraca, Lula, humano, brasileiro, pode titubear. Pois se sua Presidência trouxe avanços econômicos, sociais e mesmo democráticos (dado que o sistema elegeu duas vezes presidente um ex-operário com genuína identificação com a base da pirâmide brasileira), o lulismo deixa uma terra arrasada no front político-partidário.

Não por invenção, que isso vem de sempre, mas pela abrangência. A adesão do PT e outros neófitos às tetas podres de Brasília marca o fim de jogo da política brasileira, tão bem pontuados pelos escândalos sem fim da Era Lula.

Estão todos na mesma cova, com a parte que lhes cabe neste latifúndio.

E os principais presidenciáveis para 2010 nada falam sobre a corrupção pandêmica que destruiu o sistema político brasileiro. Pois já são candidatos a novos césares, nesse ultrapresidencialismo que é o principal legado político de Lula, último fruto podre da ordinária podridão partidária.

Sérgio Malbergier é jornalista. Foi editor dos cadernos Dinheiro (2004-2010) e Mundo (2000-2004), correspondente em Londres (1994) e enviado especial da Folha a países como Iraque, Israel e Venezuela, entre outros. Dirigiu dois curta-metragens, "A Árvore" (1986) e "Carô no Inferno" (1987). Escreve para a Folha Online às quintas.

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