Pensata

Sérgio Malbergier

03/10/2009

Pra frente Brasil!

O clima de patriotismo pós-vitória do Rio é constrangedor, mesmo que previsível. Lula, líder inconteste da nação, levou (trouxe) mais essa. Às lágrimas, como sempre.

"O Brasil ganhou definitivamente sua cidadania internacional. Nós não somos mais de segunda classe, somos de primeira classe", disse, para lá de emocionado, um presidente que só faz inflar na história do país.

Conquistamos as Olimpíadas de 2016 depois de, sob seu comando, levarmos a Copa de 2014, descobrirmos o pré-sal, liderarmos o G20, ditarmos regras em Honduras, resistirmos bem à crise.

Ninguém segura esse país, dizem os entusiastas e os ingênuos.

Os anos 00 são o ano zero do Brasil potência. Somos melhores produtores das commodities mais básicas do planeta, que mesmo na crise são difíceis de cortar. Teremos muito petróleo. Nosso sistema financeiro provou solidez quando o sistema global colapsou. Nossa moeda só ganha força. Temos mercado interno grande e em expansão. Indústria diversificada. Multinacionais se agigantando. Ufa! Um país a fazer e uma embocadura econômica capaz de iniciar o processo.

O país volta a viver um clima ufanista de pra frente Brasil não visto desde a ditadura militar. Só que agora pela esquerda, patrulheira.

Outro dia, neste espaço, postei texto com o título "Vergonha de ser brasileiro". Sobre minha vergonha de ver o presidente do meu país afagar Mahmoud Ahmadinejad pouco depois de o iraniano chamar o Holocausto, que dizimou familiares deste e de outros milhares de brasileiros, de "mentira". Que vergonha!

Choveram cartas de insulto, como se um bom brasileiro não pudesse se envergonhar do país. Pelo contrário. Patrioticamente, me envergonham a miséria, a falta de educação, de justiça, de ética, me envergonha a falta de vergonha dos políticos.

Mas os próximos anos prometem. São a melhor chance do país. Não menos porque vivemos um bônus demográfico inédito que turbina o crescimento, uma combinação de quedas de natalidade e mortalidade com mais mulheres e adultos em idade produtiva e menos pessoas por lar.

Depois de tantas décadas perdidas, não podemos deixar mais essa passar. É hora de espírito crítico e racionalidade. A euforia não deve esconder os grandes defeitos do país, todos óbvios, provas óbvias do nosso subdesenvolvimento.

Vencemos Chicago e Obama, mas não vencemos Sarney e Renan.

Falta muito para o Brasil ser de primeira classe, como decreta Lula. Tem muita gente vivendo em classes muito piores.

Como estarão os miseráveis nos morros cariocas quando a tocha olímpica iluminá-los em 2016? Já temos um prazo.

Sérgio Malbergier é jornalista. Foi editor dos cadernos Dinheiro (2004-2010) e Mundo (2000-2004), correspondente em Londres (1994) e enviado especial da Folha a países como Iraque, Israel e Venezuela, entre outros. Dirigiu dois curta-metragens, "A Árvore" (1986) e "Carô no Inferno" (1987). Escreve para a Folha Online às quintas.

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