Pensata

Sérgio Malbergier

19/10/2009

Black Hawk Down, Rio 2009

Abril de 2008. O governador Sérgio Cabral inaugura a Vila Olímpica de Sampaio, na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro.

Primeira beneficiada por uma nova lei de incentivos a projetos esportivos visando a Copa do Mundo e as Olimpíadas, a vila foi reformada por um laboratório farmacêutico para garimpar atletas para os jogos de 2016.

Só que antes de descobrir atletas, a vila descobriu a guerra.

Neste sábado, um helicóptero da PM caiu na Vila Olímpica de Sampaio, alvejado por traficantes de morro vizinho, matando dois de seus ocupantes.

O fracasso do Rio é o fracasso do Brasil. O Rio ter dado errado com todos os seus recursos mostra como a cidade (e o país) não perde oportunidade de perder oportunidade.

Mas o discurso ufanista ouvido após a escolha do Rio não admite contraditório nem crítica, embora seja incessantemente desmentido pelos fatos.

Lula, nosso grande animador, decretou que o Brasil, por decisão da maioria dos membros da comissão de avaliação do Comitê Olímpico Internacional, havia se tornado, naquele momento, um país de primeira classe.

Simples assim: o COI nos ungiu primeira classe naquela sexta-feira, 2 de outubro, em Copenhague.

Mas o Brasil segue, não sejamos complacentes, segunda ou terceira classe.

Uma semana depois da escolha do Rio, outro helicóptero já havia caído em cima da retórica primeiro-classista de Lula na forma de pesquisa do IBGE apontando que 44,7% das crianças e jovens de até 17 anos vivem em situação de pobreza no Brasil, com 18,5% desse total em situação de extrema pobreza (renda per capita inferior a R$ 120 por mês). E mais: 63% dos brasileiros de 18 a 24 anos que ingressam no mercado de trabalho não terminaram o antigo 2º grau, mais uma geração perdida.

O caso aqui não é empilhar desgraças apuradas pelo IBGE. Mas a complacência e o patriotismo eleitoreiro não levam a lugar nenhum, a não ser ao palanque.

Não vai ser no gogó oficial nem com obras de infraestrutura que o Rio se transformará numa sede segura para os Jogos Olímpicos. E a cidade, obviamente, deve se tornar segura e próspera para os seus cidadãos, não para os jogos.

Quando combatentes somalis derrubaram um helicóptero Black Hawk das Forças Armadas dos EUA em Mogadíscio, em 1993, os americanos viram o buraco quente em que se meteram na Somália e saíram correndo.

Nós não só não podemos deixar os morros cariocas como convidamos os atletas do mundo inteiro para competir à sua sombra. Se em décadas não fizemos nada de efetivo para proteger os moradores desses morros, que ao menos o olhar do mundo nos faça agir.

Sérgio Malbergier é jornalista. Foi editor dos cadernos Dinheiro (2004-2010) e Mundo (2000-2004), correspondente em Londres (1994) e enviado especial da Folha a países como Iraque, Israel e Venezuela, entre outros. Dirigiu dois curta-metragens, "A Árvore" (1986) e "Carô no Inferno" (1987). Escreve para a Folha Online às quintas.

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