Pensata

Sérgio Malbergier

12/11/2009

Escuridão na luz

O apagão de 2009 nos atrasou alguns anos, ainda bem que por poucas horas.

Sem wireless nem TV, e com pouca bateria no celular, acendi uma vela e fui procurar um radinho de pilha nos fundos de gaveta.

As informações eram desencontradas, duvidosas. Relatos de arrastões, de estações de trem abarrotadas e tensas, buzinaços, escuridão, medo. Os prédios, apagados, pareciam morros. A silhueta paulistana, estranhamente transfigurada.

E o Brasil conseguiu ter seu maior apagão apesar da abundância de chuvas que turbinam nossa matriz energética. Um choque de realidade para esfriar o tolo e eleitoreiro ufanismo ressurgente e o discurso cínico sobre a eficiência do Estado (e deste governo).

Até o jornal "Financial Times", um dos responsáveis pelo recente oba-oba internacional em torno do Brasil, ficou mais sóbrio: "O apagão gera desconfiança em relação à infraestrutura do país", escreveu seu correspondente em São Paulo.

O governo Lula entregou o setor elétrico a duas pessoas: Dilma Rousseff, que foi ministra das Minas e Energia e montou o modelo energético atual antes de cuidar da infraestrutura como um todo, e José Sarney, que nomeou dois ministros que a sucederam, Silas Rondeau, afastado por investigação da PF sobre corrupção, e Edison Lobão, o atual titular, precocemente convicto de que foram condições climáticas as responsáveis pelo maior apagão da história.

Neste e em outros apagões, as causas alegadas pelo governo de turno são sempre as que mais lhe permitem transferir responsabilidades.

E ninguém melhor do que São Pedro para culpar. O governo FHC atribuiu a um prosaico raio em Bauru o apagão de 1999; o governo Lula, em quase tudo parecido com o seu antecessor, culpa 'fenômenos climáticos', só que em outra cidade do interior paulista, a insuspeita Itaberá.

A teoria do raio de Bauru, obviamente, nunca foi comprovada. Procurado, São Pedro não retornou as ligações da Redação. Nossos dirigentes não estão interessados em dar satisfação aos cidadãos-eleitores, mas em nos enrolar para que possam seguir tocando seus negócios como sempre.

A ministra-candidata Dilma, por exemplo, sumiu depois do apagão. Apesar de o setor energético e a infraestrutura em geral serem suas áreas, cancelou agenda e evitou microfones.

Lula, como sempre, foi seu escudo. E as convicções precoces de Lobão, o ministro de Sarney, aquele de quem Fernando, filho do senador, disse, numa conversa com o presidente da Eletrobrás, captada em grampo da PF: "Dá pra fazer trabalho com o ministro dando força em cima, a hora é essa".

Enquanto o fisco batia recordes de arrecadação, o governo Lula e o Congresso concederam alguns dos mais generosos aumentos a várias categorias do funcionalismo público.

Já os investimentos essenciais em infraestrutura, compartilhados por todo o país e não apenas pela casta superior do funcionalismo, dificilmente saem do papel e da retórica.

Ineficiente, lento e caro, como todos os governos, o atual não consegue realizar as obras de energia e logística que destravarão o país.

O apagão desmonta o slogan marqueteiro da Dilma gestora, que há duas semanas, em entrevista a Radiobrás, asseverou: "Nós também temos uma outra certeza: que não vai ter apagão".

A campanha dilmista, sempre alerta, registrou o baque e reagiu. Marco Aurélio Garcia, coordenador do programa eleitoral do PT, disparou:

"Eu não quero outra coisa se não que eles [oposição] entrem na discussão sobre o tema energético. É exatamente o que eu quero. Porque nosso telhado é muito forte, e o deles não é mais de vidro porque já quebrou", disse o combativo petista.

O pior é que ele tem alguma razão, dentro da perversa lógica da política brasileira: como todos são culpados dos mesmos crimes, é como se não houvesse crime.

Só fenômenos climáticos. E muita escuridão.

Sérgio Malbergier é jornalista. Foi editor dos cadernos Dinheiro (2004-2010) e Mundo (2000-2004), correspondente em Londres (1994) e enviado especial da Folha a países como Iraque, Israel e Venezuela, entre outros. Dirigiu dois curta-metragens, "A Árvore" (1986) e "Carô no Inferno" (1987). Escreve para a Folha Online às quintas.

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