Pensata

Fernando Canzian

30/10/2006

Nossa melhor agenda

O Brasil elegeu Lula presidente com uma vantagem de 21 milhões de votos. Trata-se de um capital político impressionante para quem era dado como morto a essa altura no ano passado, crivado pelo escândalo do mensalão.

O Lula reeleito é o homem que escolheu ou acolheu quase todos os fulminados nesse esgoto a céu aberto. Dirceu, Delúbio, Silvinho, Marcos Valério, Genoino, Duda e muitos dos 40 denunciados pela Procuradoria Geral da República.

Lula é o homem. Ele governou ligado a essa gente. Foi essa a engrenagem que o levou ao poder em 2002. Se foi reeleito, é porque já era presidente, conservado por essa turma até a explosão do escândalo.

Mas, "com a força do povo", o Brasil quis Lula de novo. Decidiu deixar "o homem trabalhar". Não há dúvida: são 58,3 milhões de votos a favor e 37,5 milhões contra. Isso depois de uma prematura, longa e esmiuçada campanha, com três CPIs e a imprensa no encalço. E o homem passou, democraticamente.

São dois os recados do eleitor: Lula fez um bom governo e ética nem sempre é o principal.

Na alvorada desse segundo mandato, o Brasil desponta com uma nova agenda. Ela é infinitamente melhor do que as anteriores. Não se trata mais de emergências com a inflação (1989 e 1994) ou com crises externas e financeiras (1998 e 2002).

Chegamos, finalmente, ao principal. Em dois vetores, tratar de crescer e distribuir renda.

Lula só venceu no domingo porque distribuiu renda. A vida do pobre melhorou, com mais emprego, Bolsa Família e benefícios assistenciais. Mas seu governo não entregou o crescimento. Além de ter "nivelado por baixo", tirando de quem já não tem muito para dar a quem não tem nada, Lula agiu como se esse saco não tivesse fundos.

Sem crescimento a taxas bem maiores do que as atuais, o modelo que levou Lula à vitória não funciona por muito tempo. O Estado inchou enquanto o governo aumentou gastos sociais fortemente, espremendo o espaço para aliviar a carga tributária e, indiretamente, o peso dos juros que sufoca a produção.

A não ser que Lula se contente em continuar comprimindo a empobrecida classe média em prol dos miseráveis, "bananando" de vez o Brasil, terá de, como ele mesmo gosta de dizer, realizar algo "nunca feito nesse país antes": tirar esse imenso polvo que é o setor público do meio do caminho.

Com o resultado das urnas, Lula reassume o Planalto mais forte do que em 2002. Tem mais da metade dos governadores como aliados e uma oposição, ao que parece, não interessada em arruinar o futuro do país --ao contrário do PT pró-calote e anti-reformas do passado.

Por sorte, o Brasil também tem ainda um razoável vento externo a favor, sem nuvens carregadas no horizonte. Um Lula "mãos de tesoura" hábil terá todas as condições de fazer os ajustes necessários de forma organizada, aparando onde o Estado suga, atrapalha e gasta mal.

Entre 1996 e 2004, a Espanha provou que a tarefa é possível. Ajustou o Estado ao ponto de reduzir em 35% os impostos pagos pelos contribuintes e de criar, nos últimos oito anos, um terço de todos os empregos gerados na zona do euro.

Depois de se deixar esfolar por anos com mais impostos, chegou a vez de a sociedade exigir do governo a maior cota do sacrifício.




Nos discursos da vitória de Lula e no de agradecimentos de Alckmin na noite da eleição, o petista colocou os pobres, o crescimento, o controle dos gastos e a distribuição de renda como prioridades. Alckmin, o Brasil. Se foram sinceros, não está nada mal.
Fernando Canzian, 40, é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Escreve semanalmente, às segundas-feiras, para a Folha Online.

E-mail: fcanzian@folhasp.com.br

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