Pensata

Fernando Canzian

29/01/2007

A meia conversão de Lula

Na semana passada, em Davos (Suíça), o presidente Lula ouviu do principal executivo do Citibank, William Rhodes, que seu banco gostaria de investir mais no Brasil. Mas que, infelizmente, não encontra instituições à venda.

É uma mudança e tanto. Em 1994, quando Lula ainda era favorito na corrida presidencial (antes de ser abatido pelo Plano Real de FHC), Lula e Rhodes se encontraram em Nova York em termos bem menos amistosos.

Rhodes foi a um evento em que Lula estava e, de forma bem deselegante, encostou os dedos no peito do brasileiro e perguntou, em um português ruim: "O senhor pretende pagar a dívida ou não?". O fato foi notado por alguns jornalistas, para constrangimento de Lula, que desconversou na reposta.

Na época, Rhodes era o chefe do comitê de bancos que negociava a imensa dívida externa brasileira que Lula vivia dizendo que não honraria caso eleito.

Oito anos depois, em 2002, Lula pagaria pela língua ao conquistar a Presidência em meio a uma crise cambial e com o dólar batendo em R$ 4 pelos temores de que, além de não pagar a dívida externa, trouxesse um arsenal de besteiras para a economia.

O resultado da desconfiança foi um forte ajuste no primeiro ano de Lula. O PIB cresceu só 0,5% em 2003. A partir de então, Lula entregou-se à ortodoxia e, convertido ao mercado, estabilizou o país e colocou em prática, com sucesso, alguns bons instrumentos de distribuição de renda.

Na semana passada, o presidente iniciou o segundo mandato lançando o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). O plano revelou que a conversão de Lula ainda não se deu totalmente e que o presidente atravessa um confusão mental digna de alguém que ainda não está totalmente convencido _ou não sabe_ no que acreditar.

No PAC, as duas principais medidas para conter os gastos públicos (indexar a correção do salário mínimo à inflação e ao PIB e limitar o aumento da folha do funcionalismo à inflação mais 1,5% ao ano) são tão difíceis de aprovar quanto de controlar. Se isso for feito, será um milagre importantíssimo. Mas apostar que não serão aprovadas ou cumpridas é o mais seguro.

O maior problema, porém, está em outros aspectos do PAC. Não houve nenhum corte de impostos importante ou horizontal para toda a economia ou medida prática de peso para estimular o setor privado a investir mais. A aposta, mais uma vez, é de que o setor público ineficiente, corrupto e paquiderme brasileiro resolva o problema.

O Brasil só vai parar de patinar quando o nível total de investimentos crescer bem acima dos 20% do PIB de hoje (40% na China), dos quais o governo participa com mísero 1 ponto percentual _o resto é privado.

Mas a ênfase do PAC é quase toda pública, com planos de usar mais dinheiro administrado pelo setor público (caso do FGTS) para tocar projetos de investimento públicos. A escolha do destino dessas verbas obviamente continuará seguindo critérios clientelistas e políticos, com as mamatas e desvios de praxe.

O fato é que entre o lançamento do PAC e hoje, nada de significativo mudou para quem realmente tem condições de salvar o país. O setor privado continuará suportando a mesmíssima carga tributária (quase 40% do PIB, contra 25% nos outros emergentes) e temendo cada vez mais o descontrole das contas do governo.

Entre o encontro de Lula e Rhodes em Nova York, foram precisos oito anos para que nosso presidente se resolvesse sobre a dívida. Aparentemente, serão preciso mais oito de crescimento medíocre, até o fim de seu mandato, para que ele possa finalmente chegar a uma conclusão melhor do que a demonstrada no seu PAC. Infelizmente, será um pouco tarde.




A corrida presidencial norte-americana já começou. E começou esquisita para os democratas, que pretendem tirar o Partido Republicano de George W. Bush do poder em 2008.

Duas das principais apostas no campo democrata são complicadíssimas: uma mulher, além do mais traída pelo marido, Hillary Clinton, e um negro com nome muçulmano, Barack Obama.

Os dois nomes, que apenas parecem trazer algum frescor para os EUA depois de oito anos de Bush, podem levar os democratas para o brejo tendo em vista o extremo e atávico conservadorismo do eleitor norte-americano.

Os republicanos, por sua vez, terão provavelmente um candidato fortíssimo concorrendo à indicação do partido: Rudolph Giuliani, ex-prefeito consagrado de Nova York e herói do 11 de Setembro.

Detalhe: a mesma Nova York que adora Giuliani é uma das cidades com mais eleitores democratas nos EUA.
Fernando Canzian, 40, é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Escreve semanalmente, às segundas-feiras, para a Folha Online.

E-mail: fcanzian@folhasp.com.br

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