Pensata

Fernando Canzian

23/10/2006

O mordomo é o gasto



Não existe nenhum mistério ou maldição por trás do assassinato do crescimento brasileiro e da persistente precariedade de nossa economia.

Os dois quadros disponíveis nesta página (publicados na edição de domingo da Folha) representam a melhor explicação para a "doença" do baixo crescimento que se instalou no país.

Eles mostram que é enganoso afirmar que a carga tributária elevada e o maior juro real do mundo sejam "causa" do baixo crescimento. Na verdade, eles são mera conseqüência de o Estado brasileiro não caber mais no PIB.

Os dois quadros mostram uma aberrante contradição: ao mesmo tempo em que o Brasil praticamente dobrou o tamanho dos gastos do governo federal nos últimos anos, o país também trucidou, proporcionalmente, os valores destinados a investimentos em infra-estrutura.

Em uma analogia, o investimento público é como a locomotiva de um comboio que puxa investidores privados a embarcarem nos vagões. Quanto mais investimento, mais firme e rápido sobre os trilhos.

No início da década de 80, essa locomotiva chegou a ter 21% de todos os recursos que o governo federal arrecadava voltados para o investimento. No ano passado, foram 3%.

Praticamente todo o espaço para investimentos foi "comido" ao longo dos anos pelo inchaço da máquina pública. Foram novos gastos, funcionários e despesas crescentes associadas à Previdência e a benefícios sociais indexados ao salário mínimo --além de outros novos, como o Bolsa Família.

O "cano de abastecimento" do gasto é a carga tributária. O juro alto, o reflexo de o governo não caber no PIB. Para se financiar, o Estado precisa tomar emprestado e remunerar sua dívida --quanto maior o descontrole, maior o juro.

O que os especialistas em contas públicas recomendam não é muito. Como nenhum país acaba da noite para o dia, a sugestão é que simplesmente o Brasil pare de aumentar os gastos em termos reais, ou seja, acima da inflação de cada ano. Ao longo do tempo, como algum crescimento sempre vai existir, as despesas acabarão caindo como proporção do PIB (hoje são 18,6%).

Note-se que não se trata de não repor a inflação passada. O que se propõe é que aposentados e beneficiários do Bolsa Família tenham a exata reposição da inflação todos os anos, mantendo seu poder de compra.

O problema é que é politicamente insustentável impingir essa regra à população beneficiada pela Previdência ou pelos programas sociais quando os próprios administradores públicos são o mau exemplo.

Nos últimos dez anos, áreas como os Poderes Legislativo e Judiciário aumentaram seus próprios gastos em 63% e 133%, respectivamente, acima da inflação. Na semana passada, "líderes" parlamentares defenderam um novo aumento real para o salário de R$ 12,8 mil dos deputados. Em 2003, o rendimento era de R$ 8 mil e foi reajustado em 60%.

Já o Executivo também deu seu mau exemplo no governo Lula, acrescentando mais 23 mil servidores à folha e abrindo outras milhares de vagas.

O diagnóstico, conseqüências e o remédio sugeridos pelos estudiosos do assunto são esses. A outra opção é continuarmos apontando impostos e juros como culpados de tudo e a reclamar da vida.




Se as pesquisas estiverem certas, a pergunta de US$ 1 milhão pós-eleição é: terá a oposição peito e fôlego para levar um "terceiro turno" adiante com uma diferença de 20 milhões de votos pró-Lula?

Fernando Canzian, 40, é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Escreve semanalmente, às segundas-feiras, para a Folha Online.

E-mail: fcanzian@folhasp.com.br

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