Pensata

Vinicius Torres Freire

19/02/2004

Jogatina: o PT vai botar o lixo para fora?

Lixo no tapete

Em vez de varrer o lixo para debaixo do tapete, o governo federal do PT, os governadores do PT, os deputados e os senadores do PT poderiam botar o lixo para fora: acabar com o jogo, em vez de alimentá-lo com lobbies de seus próprios parlamentares, com decisões precárias de seus próprios governadores e, pior, com mensagens presidenciais de apoio, como a que foi enviada ao Congresso esta semana pelo presidente Lula da Silva, por meio de seu ministro José Dirceu.

Manter as aparências

O presidente da República nem ao menos tomou o cuidado, farisaico que fosse, de manter as aparências, de retirar de sua mensagem ao Congresso a proposta de legalizar o bingo. Isto dias depois de o país começar a conhecer mais uma facção da jogatina, que constitui um dos vários submundos que corrompem, formam quadrilhas, matam, traficam. Uma facção que conseguiu ter um de seus amigos, Waldomiro Diniz, dentro da sede do governo federal, assessorando o ministro mais importante do governo, negociando com parlamentares.

Governo e parlamentares petistas vão tomar uma atitude e enterrar o jogo? Proibir os bingos? Vão se fingir de mortos?

As aparências enganaram

O escárnio da proposta que o presidente da República fez chegar ao Congresso não é maior apenas do que o descaramento de José Genoino, presidente do PT, de Aloizio Mercadante, líder do PT no Senado, e de outros petistas menos cotados, que recorrem aos mesmos argumentos cínicos que seus adversários tucanos e pefelistas empregavam para barrar CPIs. CPIs propostas pelo próprio PT com tanto alarde --alarde farisaico, vê-se agora.

Quadrilha

Bingo, bicho, caça-níquel, cassino clandestino, tudo isso é lixo, é chamariz de quadrilha, de lavagem de dinheiro, de tráfico de drogas, de exploração organizada de prostituição, pistolagem, corrupção política, estímulo ao vício, à destruição psicológica e financeira de indivíduos.

Amigos da jogatina

Zeca do PT, governador do Mato Grosso, e Wellington Dias, governador petista do Piauí, gostam do jogo, do bingo, que chancelaram em seus Estados --o governo de Zeca do PT é amigo não apenas do bingo, mas também dos caça-níqueis. O deputado federal Gilmar Machado (PT-MT) faz o lobby do jogo, do bingo. Há anos procura fazer aprovar a legalização do bingo.

Contaminação

Há políticos de outros partidos que são amigos da jogatina, que dão guarida a esse lixo? Às pencas, muitos.

E daí? O PT não era diferente de "tudo isso que está aí"?

E daí? O PT não pode tomar uma atitude para dar cabo desse lixo? Está contaminado pela bancada da jogatina nos demais partidos? Está contaminado pelo quê?

Rosinha de vergonha

Há um deputado federal do PT, o doutor Rosinha, do Paraná, que parece ser contra a jogatina. "Não acho saudável atrelar jogos a esporte", disse certa vez à Folha. Mas o dinheiro do jogo não pode financiar "práticas sadias", acredita Rosinha: "Vou polemizar e vou forçar a discussão dentro do partido porque acho que bingo e esporte não se misturam. Se tivermos que liberar o bingo, que isso seja feito em uma lei própria. Não posso conceber que jogos de azar possam financiar práticas sadias".

Jogatina não pode financiar "práticas sadias". E outras práticas? Os Waldomiros?

* * *

Reproduzo abaixo trechos de artigo de 11 de janeiro de 2003, publicado na Folha por Luís Nassif, colunista e membro do Conselho Editorial da Folha, a respeito do que ele chamou apropriadamente de "praga social do bingo", a qual avaliou com precisão e paixão jornalística em várias de suas colunas. Vale reler:

"Em todos os países civilizados, há cada vez mais medidas de repressão às chamadas doenças sociais, como a droga, o alcoolismo, o tabagismo e o jogo. Mas não se pode comparar o ato de beber com o ato de jogar. A disseminação do alcoolismo não depende da quantidade de bares existente, nem os alcoólatras representam porcentagem elevada dos freqüentadores de bares.

Já o jogo --especialmente o bingo-- é uma compulsão que depende basicamente da facilidade de acesso aos cassinos. Não se venha com o argumento de que, se proibir o jogo, os viciados irão recorrer a cassinos clandestinos. As donas de casa, os aposentados e as pessoas humildes freqüentam bingos pela proximidade e pelo fato de ser atividade legal e aceita pela sociedade. Apenas uma pequena porcentagem aceitaria correr os riscos de freqüentar cassinos clandestinos.

No ano passado foi feita pesquisa em um bingo de São José dos Campos que mostrou que 45% (!) dos freqüentadores são jogadores patológicos. Em 1997, outro estudo 'Jogo Patológico: Um Estudo Sobre Jogadores de Bingo, Videopoker e Jockey Club', de Maria Paula de Magalhães Tavares de Oliveira, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, classificou 33% dos freqüentadores como jogadores patológicos.

Os dois estudos foram feitos por pesquisadoras do Proad (Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes), da Unifesp. Para o psiquiatra Marcelo Fernandes, que coordena o ambulatório de jogadores patológicos da Unifesp, o bingo democratizou o vício do jogo e já é a modalidade preferida entre dependentes, desbancando inclusive a loteria.

Velho adversário do jogo, das poucas pessoas que tentaram barrar a autorização aos bingos, o ex-senador José Serra escreveu artigo na época (republicado em seu recém lançado livro 'Ampliando o Possível'), rebatendo mitos do jogo, como o de que os cassinos significariam mais empregos ou recursos externos para o país.

Em Las Vegas, cidade com a maior concentração de cassinos do mundo, 8,7% da população adulta (ou 70 mil pessoas) tem algum problema ligado ao jogo. No estado de Nevada (onde está Las Vegas e onde existem mais cassinos e há mais tempo nos EUA), o número de casos de suicídio é duas vezes maior do que na média do país. Estudo de 1995, feito em Iowa, mostrou que 5,4% da população do Estado tinham, naquele ano, algum problema mais sério com o jogo, contra apenas 1,7% da população antes da abertura dos barcos-cassinos na região.

Em Atlantic City, metade dos restaurantes da cidade fechou as portas dois anos depois da abertura dos cassinos na cidade, no final dos anos 70. Em Illinois, em 1995, a operação dos cassinos provocou perdas de US 1,9 bilhão para o comércio local. No mesmo Estado, todos os efeitos 'positivos' trazidos pelos cassinos (pagamento de salários e compras na região) totalizaram US 1,8 bilhão também em 1995.

Em Wisconsin, o número de crimes cresceu 6,7% depois da abertura de cassinos. Somando-se os casos de crimes que decorrem indiretamente do jogo (como maus-tratos e agressões cometidas por viciados), o número cresceu para 9%. Como bem lembra Serra, o volume de dinheiro que circula em torno do jogo é suficiente para atrair dinheiro sujo, proveniente do tráfego de drogas e outras atividades ilegais."
Vinicius Torres Freire é Secretário de Redação da Folha, onde já foi editor de Dinheiro, Opinião, Ciência e Educação. Escreve para a Folha Online às quintas-feiras.

E-mail: mvinicius@folhasp.com.br

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