Vinicius Mota
09/01/2005
Segundo as Nações Unidas, um em cada cinco adultos sul-africanos está infectado com o vírus da Aids. Para ter idéia do que isso significa, basta comparar com o Brasil. Aqui, o número de infectados é estimado em 600 mil. Se multiplicarmos a cifra brasileira por 8, ainda não atingiremos os 5 milhões de portadores do HIV que vivem na África do Sul. E a população sul-africana, de 45 milhões, é cerca de um quarto da brasileira.
O gesto de Mandela, dirigido a conscientizar seus concidadãos a respeito dos perigos da doença, pode soar banal aos brasileiros, acostumados a lidar mais diretamente com o tema da Aids, expostos a campanhas de prevenção agressivas já há muitos anos. Quem se lembra dos prolegômenos --para usar um termo de que os filósofos gostam-- do debate sobre Aids no Brasil, lá nos anos 80, vai notar semelhanças. A carga de ignorância científica sobre a Aids abria enorme espaço para obscurantismos de toda espécie. Grupos, em regra religiosos, agiam com muito mais força e êxito do que hoje para criar obstáculos à disseminação de campanhas pelo uso da camisinha ou de alerta a mulheres casadas para que tomassem cuidado com seus maridos.
Pensando bem, talvez o caso da África seja ainda pior. ONGs acusam o presidente do país, Thabo Mbeki (do mesmo partido de Mandela), de ter questionado o fato, cientificamente comprovado, de que o HIV é o agente causador da Aids. Mbeki nega ter feito a afirmação. Mas já declarou publicamente que não conhecia ninguém que tivesse morrido de Aids.
A hipocrisia e o varrer a verdade sobre a Aids para debaixo do tapete são tão constantes na África do Sul que Mbeki pode ter sido cinicamente sincero (só não pode continuar a dizer isso depois da morte de Makgatho). Foi apenas a partir de meados de 2003 que seu governo começou a oferecer pela rede pública as drogas que, no Brasil, conseguiram conter a escalada de mortes em razão da doença. Mas o programa africano está longe de obter a universalidade que o brasileiro conquistou.
Além disso, a desinformação campeia. Especialistas dizem que até dois terços das pessoas infectadas --algo como 3,3 milhões de sul-africanos-- simplesmente não sabem que têm o HIV. O potencial de aumento vertiginoso de infecção numa situação dessas é enorme. Mandela havia sido suficientemente maduro, após deixar a Presidência, para fazer a autocrítica de que seu governo subestimou o problema da Aids. Agora, não hesitou em transformar um momento familiar doloroso num poderoso alerta público. "Médicos, enfermeiras e outros servidores da saúde nos hospitais agora vão falar sobre isso: ´Você sabia que o filho do Mandela morreu de Aids?` E isso vai gerar uma péssima dor de consciência nos membros de famílias que decidirem que não podem sair do hospital e dizer corajosamente que seu ente querido morreu de Aids". Mandela, mais uma vez, está do lado certo da História.
Mandela está certo (de novo)
"Anuncio que meu filho morreu de Aids". Foi dessa forma lacônica que Nelson Mandela, aos 86 anos, revelou ao público a doença que matou Makgatho, um dos quatro filhos que teve no seu primeiro casamento. Mandela, que ajudou a derrotar o Apartheid na África do Sul, um dos regimes mais odiosos do século 20, depois que deixou a Presidência agarrou-se à bandeira do combate à epidemia em seu país.Segundo as Nações Unidas, um em cada cinco adultos sul-africanos está infectado com o vírus da Aids. Para ter idéia do que isso significa, basta comparar com o Brasil. Aqui, o número de infectados é estimado em 600 mil. Se multiplicarmos a cifra brasileira por 8, ainda não atingiremos os 5 milhões de portadores do HIV que vivem na África do Sul. E a população sul-africana, de 45 milhões, é cerca de um quarto da brasileira.
O gesto de Mandela, dirigido a conscientizar seus concidadãos a respeito dos perigos da doença, pode soar banal aos brasileiros, acostumados a lidar mais diretamente com o tema da Aids, expostos a campanhas de prevenção agressivas já há muitos anos. Quem se lembra dos prolegômenos --para usar um termo de que os filósofos gostam-- do debate sobre Aids no Brasil, lá nos anos 80, vai notar semelhanças. A carga de ignorância científica sobre a Aids abria enorme espaço para obscurantismos de toda espécie. Grupos, em regra religiosos, agiam com muito mais força e êxito do que hoje para criar obstáculos à disseminação de campanhas pelo uso da camisinha ou de alerta a mulheres casadas para que tomassem cuidado com seus maridos.
Pensando bem, talvez o caso da África seja ainda pior. ONGs acusam o presidente do país, Thabo Mbeki (do mesmo partido de Mandela), de ter questionado o fato, cientificamente comprovado, de que o HIV é o agente causador da Aids. Mbeki nega ter feito a afirmação. Mas já declarou publicamente que não conhecia ninguém que tivesse morrido de Aids.
A hipocrisia e o varrer a verdade sobre a Aids para debaixo do tapete são tão constantes na África do Sul que Mbeki pode ter sido cinicamente sincero (só não pode continuar a dizer isso depois da morte de Makgatho). Foi apenas a partir de meados de 2003 que seu governo começou a oferecer pela rede pública as drogas que, no Brasil, conseguiram conter a escalada de mortes em razão da doença. Mas o programa africano está longe de obter a universalidade que o brasileiro conquistou.
Além disso, a desinformação campeia. Especialistas dizem que até dois terços das pessoas infectadas --algo como 3,3 milhões de sul-africanos-- simplesmente não sabem que têm o HIV. O potencial de aumento vertiginoso de infecção numa situação dessas é enorme. Mandela havia sido suficientemente maduro, após deixar a Presidência, para fazer a autocrítica de que seu governo subestimou o problema da Aids. Agora, não hesitou em transformar um momento familiar doloroso num poderoso alerta público. "Médicos, enfermeiras e outros servidores da saúde nos hospitais agora vão falar sobre isso: ´Você sabia que o filho do Mandela morreu de Aids?` E isso vai gerar uma péssima dor de consciência nos membros de famílias que decidirem que não podem sair do hospital e dizer corajosamente que seu ente querido morreu de Aids". Mandela, mais uma vez, está do lado certo da História.
Vinicius Mota, 33, é editor de Opinião da Folha (coordenador dos editoriais). Foi também editor do caderno Mundo e secretário-assistente de Redação da Folha. Escreve para a Folha Online aos domingos. E-mail: vinicius.mota@folha.com.br |