Pensata

Vinicius Mota

07/08/2005

A tragédia [ou a tragicomédia] de um partido

O sociólogo alemão --depois radicado na Itália-- Robert Michels (1876-1936) é uma daquelas figuras inevitáveis quando o assunto é o funcionamento de um grande partido político na democracia de "massas" moderna.

Originalmente socialista, Michels militou até 1907 no legendário SPD. O Partido Social-Democrata alemão do hoje chanceler Gerhard Schröder surgiu em 1865, da fusão da Associação Geral dos Trabalhadores Alemães, de Ferdinand Lassalle, com o Partido Social-Democrata dos Trabalhadores, de Wilhelm Liebnecht e August Bebel. Pois Michels fez de sua atuação no SPD uma espécie de estudo de campo para chegar a sua mais conhecida formulação, a "lei de ferro das oligarquias".

Não é o caso, hoje, de me alongar na exposição do que significa essa teoria, pois ainda pretendo tratá-lo, e a seus companheiros da chamada "escola das elites", Gaetano Mosca e Vilfredo Pareto, em outra ocasião, se Lula realmente insistir nessa nova onda retórica de dividir a sociedade entre povo e elite, esta última que, segundo ele, teria interesse em enfraquecê-lo.

Hoje queria apenas partilhar com o leitor um certo espanto que tive ao reler alguns trechos da obra mais conhecida de Michels, "Partidos Políticos --um estudo sociológico das tendências oligárquicas da moderna democracia". O livro foi publicado pela primeira vez em 1911, mas repare o leitor se não descreve, às vezes à perfeição, o que ocorreu com um grande partido muito em voga no noticiário político e policial hoje em dia no Brasil.




Cópia mal-acabada do Estado
"Todo novo funcionário, todo novo secretário que entra no partido é em tese um novo agente da revolução; do mesmo modo, toda nova seção do partido é um novo batalhão; e todo milhar de francos fornecido pelos filiados, pelos lucros da imprensa socialista ou pelas generosas doações de simpáticos benfeitores constitui auxílio fresco para o esforço de guerra na luta contra o inimigo [o Estado autoritário burguês]. No longo prazo, no entanto, os diretores desse corpo revolucionário [o partido socialista] que coexiste dentro do Estado autoritário, sustentado da mesma maneira que aquele Estado e inspirado pelo mesmo espírito de disciplina, não podem deixar de perceber que a organização partidária, sejam quais forem os avanços que possa obter no futuro, nunca logrará tornar-se mais que uma ineficiente cópia em miniatura da organização do Estado."




Partido conservador, de cofres cheios
"Agora, quando 3 milhões de trabalhadores estão organizados --um número maior do que o considerado necessário para assegurar a vitória completa sobre o inimigo--, o partido está provido de uma burocracia que, com respeito à consciência de seus deveres, seu zelo e sua submissão à hierarquia, rivaliza com o Estado ele próprio; os cofres estão cheios, uma complexa ramificação de interesses morais e financeiros se espalha por todo o país. (...)"




Desconectado, às vezes reacionário
"O partido, entendido como uma entidade, como uma peça de um mecanismo, não é necessariamente identificável com a totalidade de seus integrantes e menos ainda com a classe a que pertence. O partido é criado como um meio para atingir um fim. Tendo, porém, se tornado um fim em si mesmo, ele empreende um deslocamento, no aspecto teleológico, da classe que ele representa. (...) Os interesses do corpo de empregados [do partido] são sempre conservadores e, numa dada situação política, esses interesses podem ditar uma conduta defensiva e até reacionária, quando os interesses da classe trabalhadora demandariam uma política agressiva e destemida."




Todos acabam seduzidos pelo poder
"Os socialistas podem até conquistar, mas não o socialismo, que feneceria no momento do triunfo de seus simpatizantes. Somos tentados a falar desse processo como uma tragicomédia na qual as massas se satisfazem devotando todas as suas energias para efetuar uma mudança de senhores. Tudo o que é deixado aos trabalhadores é 'a honra de participar no recrutamento do governo". O resultado parece pobre, especialmente se levamos em conta o fato psicológico de que mesmo o mais puro dos idealistas que adere ao poder por uns poucos anos é incapaz de escapar à corrupção que o exercício do poder carrega consigo."
Vinicius Mota, 33, é editor de Opinião da Folha (coordenador dos editoriais). Foi também editor do caderno Mundo e secretário-assistente de Redação da Folha. Escreve para a Folha Online aos domingos.

E-mail: vinicius.mota@folha.com.br

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