Pensata

Vinicius Mota

16/10/2005

Os tucanos na crise

Há uma argumentação muito difundida ultimamente, a de que os tucanos teriam como que "perdido uma oportunidade" de imprimir pressão maior contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e forçar uma situação em que a sua permanência no Palácio do Planalto ficaria insustentável.

Teriam deixado passar a chance, segundo essa tese, de forçar o impeachment ou a renúncia de Lula. E o momento identificado como o mais propício para essa investida final contra o presidente foi o depoimento do publicitário Duda Mendonça na CPI dos Correios, em 11 de agosto.

Naquela data, Duda admitiu ter recebido mais de R$ 15 milhões em dinheiro ilegal do PT. A maior parte, afirmou, veio do esquema de Marcos Valério de Souza; sendo que mais de R$ 10 milhões lhe foram pagos por meio de uma conta "offshore" nas Bahamas (chamada Dusseldorf).

Essa movimentação milionária teria o intuito de quitar débitos do PT com Duda referentes às campanhas de 2002 e a serviços de marketing feitos em 2003. Portanto, estava armada aí uma senda de investigação que poderia esclarecer se a campanha de Lula para a Presidência foi paga, ao menos parcialmente, com recursos ilegais, não-declarados à Justiça.

Daí, acredita essa parcela de partidários tucanos e analistas, estaria pavimentado o caminho até a implicação irrefutável e pessoal do presidente no escândalo. Estariam dados, pois, os argumentos para processá-lo politicamente por crime de responsabilidade.

A argumentação é útil para ressaltar um ponto importante da apuração do escândalo que ficou pelo caminho. É possível dizer, sem sombra de dúvida, que o dinheiro ilegal que foi às contas de Duda Mendonça era a contrapartida de serviços que prestou para Lula? Ou, como disse o publicitário na CPI, as doações "por dentro" para o candidato petista a presidente pagaram com sobras os custos de seus serviços?

Isso não foi elucidado, embora haja multidões de jornalistas e políticos que, ao menor sinal de algo que possa esclarecer essa questão, não hesitarão em publicá-lo.

Mas dizer que, naquela ocasião, os tucanos tinham poder para precipitar a queda do presidente da República é um devaneio. A opção de entrar com um pedido de impeachment no Congresso, assinada e/ou apoiada por um partido de oposição a Lula era extremamente arriscada.

Se a atitude não estivesse sintonizada com um forte desejo da opinião pública, dos principais meios de comunicação e de entidades civis representativas, tenderia a funcionar contra o próprio PSDB --e a favor, portanto, do governo Lula. E o cenário na época, embora bastante tenso, não se configurava como o de uma frente ampla anti-Lula. O raciocínio da cúpula tucana ao descartar o embarque no "fora, Lula", portanto, não era despropositado.

Olhada em panorama, a participação tucana (e da oposição em geral) na crise, desde seu início, foi lateral. O escândalo se iniciou com um sismo na base de sustentação político-parlamentar do próprio governo. A divulgação do vídeo da propina nos Correios gerou o descontentamento de Roberto Jefferson que, por sua vez, decidiu denunciar o "mensalão" e dar nome aos bois.

A repercussão da bomba na opinião pública, e não um súbito aumento da força oposicionista, foi o elemento que dobrou a resistência governista à instalação da CPI dos Correios. O governismo dominou formalmente a CPI --o presidente é petista; o relator, peemedebista--, mas foi obrigado pela inércia avassaladora dos fatos a dar vazão às principais quebras de sigilo e aos principais depoimentos. Estes foram todos de gente ligada ao PT: o ex-tesoureiro, o ex-secretário-geral, o marqueteiro, o homem da mala e pessoas ligadas às empresas de Valério.

Interessada no desgaste do governismo, a oposição vem surfando com bastante gosto nessa onda e tenta estendê-la o quanto pode. Mas jamais foi protagonista de nada fundamental na construção dos fatos escandalosos.

Para a frustração dos adeptos das muitas teorias conspiratórias que surgiram das hostes petistas ao longo desses últimos quatro meses e dos "radicais tucanos" que pleiteavam a adoção da estratégia do impeachment, a oposição e o PSDB nunca tiveram o poder de determinar o rumo dos acontecimentos, como tampouco o teve o governo.

Outro tema caro aos adeptos do conspiracionismo, o desejo tucano de ver Lula sangrar até outubro de 2006 e tê-lo como adversário facilmente derrotável é exatamente isso, um desejo tucano. Ele não coincide com o poder do PSDB e seus simpatizantes de ditar que esse seja o ritmo do processo. Por um momento, os tucanos chegaram a acreditar que a sua profecia estava se realizando. Agora certamente começam a mudar o seu diagnóstico e a se preparar para enfrentar um Lula competitivo no ano que vem. Ainda assim, terão muito mais chances nas eleições de outubro --quanto mais se consideradas em todos os seus âmbitos: o Legislativo e o Executivo, o federal e o estadual-- do que teriam se a crise não tivesse acontecido.
Vinicius Mota, 33, é editor de Opinião da Folha (coordenador dos editoriais). Foi também editor do caderno Mundo e secretário-assistente de Redação da Folha. Escreve para a Folha Online aos domingos.

E-mail: vinicius.mota@folha.com.br

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