Pensata

Vinicius Mota

12/12/2004

Agora vai?

Em Israel, de onde escrevo esta coluna, reina um ambiente de otimismo restrito e cheio de matizes sobre a possibilidade de uma nova fase de negociações de paz com os palestinos. Aqui, onde com outros jornalistas brasileiros participo de um programa de visitas ao país a convite da Confederação Israelita do Brasil e Federação Israelita do Estado de
São Paulo, ouvi praticamente o mesmo diagnóstico de gente da direita, da esquerda e de burocratas especialistas no assunto. Ao menos na superfície, é verdade que há uma série de acontecimentos convergindo para um cenário menos nublado na relação entre os dois lados do conflito:

1. A morte de Arafat, contrariando algumas previsões, não levou a uma guerra intestina nem, aparentemente, a um recrudescimento da violência dentro do movimento palestino. O mitológico Arafat, já disse aqui, estava anulado politicamente nos últimos anos de sua vida. A causa palestina, em suas mãos, sempre dependeu do endosso da comunidade internacional, principalmente dos EUA, à idéia de que os palestinos merecem um Estado próprio (que foi a mais importante e duradoura conquista do líder morto) e à de que Arafat era a pessoa que falava pelos palestinos. Pois ele havia perdido esse segundo elemento. Decerto os EUA sob Bush, que deixaram em segundo plano a condução sistemática da diplomacia na questão israelo-palestina enquanto apoiavam tácita e explicitamente, dentro da lógica da "guerra ao terror", a política de mão dura de Sharon, contribuíram sobremaneira para o enterro político antecipado de Arafat. Algo surpreendentemente, até agora o processo de sucessão de Arafat por meio de eleições diretas vem caminhando a passos seguros e rápidos. E a liderança emergente, Mahmoud Abbas, não esconde que condena a atual Intifada (revolta dos palestinos) e o recurso ao terrorismo como meios de luta política. Além disso, Israel prejudicou, pelo assassinato sistemático de lideranças, a organização do Hamas, uma das mais importantes fontes de atentados terroristas nos últimos anos. Um dos líderes remanescentes do grupo, recentemente, reconheceu o direito de existência do Estado de Israel, algo retoricamente novo. Ao estabelecer a barreira feita de cerca de arame e muros de concreto ao longo da Cisjordânia, os israelenses dificultaram a repetição de ondas de atentados, fator que foi decisivo no desandar de acordos de paz no passado;

2. A política de Israel caminha para o centro. Sharon e seu partido, o direitista Likud, ficaram no mato sem cachorro na semana que passou. Ou aceitavam compor o governo com o Trabalhista do moderado Shimon Peres ou, sem maioria no Parlamento, teriam de encarar uma nova eleição de conseqüências imprevisíveis. Seguindo o que uma pesquisa detectou como o desejo de 70% dos israelenses, o Likud optou pela pragmática aliança. Neste momento, uma eleição no lado israelense poderia pôr a perder uma oportunidade de seguir com o plano de Sharon de retirada dos assentamentos israelenses da faixa de Gaza. Se for mesmo executado, o projeto representará o alívio de um importante foco de tensão entre os dois lados em disputa. Além disso, num contexto de legitimação de uma nova liderança palestina, a saída de Gaza pode abrir portas para a retomada de negociações de paz entre os dois lados;

3. Os EUA têm agora que provar que seu problema era mesmo só com Arafat. Foi essa a desculpa que Washington utilizou para ignorar a via diplomática nos últimos anos. Pelo menos a retórica não vale mais. E, se Bush quer mesmo, como alguns dizem, acrescentar alguma coisa de nobre a sua catastrófica biografia nas relações internacionais, talvez se disponha a gastar mais capital político nessa delicada operação do Oriente Médio;




Mas é possível elencar senões importantes aos pontos acima:

1. Não se sabe se Abbas, se for ele mesmo eleito o sucessor de Arafat, terá condições internas, e apoio de Israel e dos EUA, de controlar os grupos radicais palestinos; não se sabe se ele próprio terá de mudar seu discurso para contentar essas facções; e uma nova onda de atentados, que requerem apenas um pequeno grupo, um pequeno financiamento e alguma criatividade, não pode ser descartada;

2. Se os likudistas estão mais dependentes do Partido Trabalhista, também é verdade que a plataforma negociadora mais ampla dos trabalhistas está limitada pelo Likud. Na hora de a onça beber água, como se diz no interior, Sharon estará mesmo disposto a conceder em temas espinhosos como o status de Jerusalém, que ambos os lados reivindicam como capital? Muita dureza na mesa de negociações pode afugentar o outro lado e fazer o processo desandar novamente. Além disso, quando militares israelenses começarem a arrancar à força os assentados que não estejam dispostos a deixar de Gaza, Sharon resistirá à previsível direitização da opinião pública do país? O primeiro-ministro tampouco parece disposto a suspender a prática de assassinar líderes de grupos radicais palestinos para que Abbas ele próprio sofra pressão interna menor e tenha mais chance de negociar a suspensão da violência no seio do movimento palestino e assim obter mais legitimidade para reprimir os desobedientes;

3. O Iraque será mesmo um assunto encaminhado tão satisfatoriamente no curto prazo que os EUA poderão dedicar-se com prioridade à questão israelo-palestina? O governo Bush, renovado de conservadorismo fresco das urnas, vai mesmo pressionar um governo de Israel tão alinhado com sua ideologia? Além do mais, o comportamento de Condoleezza Rice no Departamento de Estado a respeito da questão do Oriente Médio é tudo menos previsível. Ninguém conhece sua capacidade negociadora para fora das paredes da Casa Branca. E o que conhecemos de suas declarações no passado está longe de ser uma promessa de mais realismo e pragmatismo na política externa americana.




Por pelo menos duas vezes no passado recente, a pacificação das relações entre israelenses e palestinos parecia definitivamente encaminhada. Mas num piscar de olhos essa expectativa ruiu em banhos de sangue. Agora, há apenas sinais de que novas condições se formam para o jogo diplomático recomeçar. É bem melhor que a situação anterior. Mas ainda não é garantia de nada.
Vinicius Mota, 33, é editor de Opinião da Folha (coordenador dos editoriais). Foi também editor do caderno Mundo e secretário-assistente de Redação da Folha. Escreve para a Folha Online aos domingos.

E-mail: vinicius.mota@folha.com.br

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