Vinicius Mota
26/02/2006
O sistema elege os vencedores e, de pronto, define a oposição. Garante, assim, o prosseguimento da disputa política no curso do governo, um dos elementos a evitar exacerbações despóticas dos governantes e a manter acesa no eleitorado a perspectiva da mudança, da alternância de poder.
Para movimentar todas essas belas engrenagens democráticas, reitero, os partidos precisam apenas comportar-se como partidos, isto é, utilizar todos os instrumentos que tenham à mão e que sejam validados pela norma jurídica para conquistar o poder.
O que acabo de dizer são truísmos, mas que por vezes são ignorados em análises que vêm sendo feitas neste momento em que os motores para a disputa pelo Planalto estão sendo aquecidos.
Identifico uma incompreensão fatal desse princípio nas críticas que se fazem ao festival de inaugurações de obras e canteiros de obras e à propagação de todo tipo de pacotes "de bondades" que têm tomado a agenda de governantes nos últimos tempos. Sim, Luiz Inácio Lula da Silva, José Serra e Geraldo Alckmin --para citar os que estão mais em evidência-- fazem campanha nessas ocasiões. Suas intenções são, sim, valer-se das vantagens orçamentárias e de visibilidade que os cargos que ocupam lhes proporcionam para melhorar as suas chances de estarem sentados na cadeira presidencial no dia 1º de janeiro de 2007.
É da natureza do regime democrático --que prevê eleições periódicas para os cargos executivos e a possibilidade de uma reeleição, no caso brasileiro-- compelir os políticos e seus respectivos partidos a adotar esse comportamento. A utopia dos que criticam o surto de estrelismo dos governantes parece ser a de um regime frio, dominado por tecnocratas que sabem exatamente onde e como gastar e cuja virtude moral dispensa o exibicionismo. Mas isso é o mesmo que desejar a morte da competição política.
Não há ciclos "eleitoreiros" em uma ditadura perfeita. Tudo o que o príncipe tem de fazer é balancear as doses da opressão e da concessão de regalias, a fim de manter-se no trono. Apenas a competição dos partidos pelo poder político em uma sociedade democrática instaura os tais ciclos. Ao fazê-lo, assegura a permanência de linhas de transmissão entre representantes e representados. Para ganhar votos e suplantar seus adversários no próximo pleito, o governante atende a necessidades bastante concretas de segmentos da população.
A utopia democrática quer nos convencer de que a sociedade que segue em seus trilhos acaba beneficiando o conjunto da população não apenas ao garantir as liberdades civis mas também ao favorecer o desenvolvimento.
Diversos governos e legislaturas federais, na fase democrática brasileira recente, concorreram para instalar um respeitável colchão de assistência social destinado à parcela mais pobre da população, nos marcos da Previdência Rural, da Lei Orgânica da Assistência Social e dos programas de transferência direta de renda. Estes vêm sendo expandidos na gestão Lula e agregados no Bolsa-Família.
Que não restem dúvidas de que o presidente age, nesse terreno, com os olhos totalmente voltados à reeleição. Mas a resultante de tudo isso --bem como do aumento do salário mínimo para R$ 350, dando seqüência ao processo de uma década de elevações desse piso acima da inflação-- é a ampliação da proteção aos mais pobres.
Muito do que Alckmin exibe como trunfo na sua cruzada para tornar-se o presidenciável tucano são também conquistas importantes para os paulistas. O aprofundamento da calha do rio Tietê, a aceleração das obras do metrô na capital e as centrais de prestação de serviços públicos mais rápidos e baratos --os Poupa-Tempo-- espalhadas pelo Estado vão ao encontro de necessidades reais de grande parcela da população.
O mesmo se pode dizer de alguns emblemas que Serra utilizará em sua campanha se for ungido candidato do PSDB. O advento dos medicamentos genéricos, a consolidação do programa brasileiro de tratamento da Aids --um paradigma mundial-- e a emenda que garantiu mínimos orçamentários para a Saúde são importantes para os cidadãos, especialmente os mais pobres, que dependem da rede pública.
Todos esses avanços foram obtidos dentro do mais desabrido --e legítimo-- interesse eleitoral de seus mentores políticos. Deriva do mesmo princípio, embora enriqueça mais o anedotário político, que Serra proceda a "pré-inaugurações" e recapeie ruas em pleno período de chuvas; que Alckmin faça cerimônia até para assinar projeto de lei e só neste ano tenha resolvido entregar material escolar de graça; e que Lula tenha descoberto apenas agora a situação periclitante das estradas federais e transformado a mamona em salvação da lavoura.
Políticos em época de campanha precisam exibir seus feitos, os imaginários e os concretos, senão a sua carreira estará liquidada em um ambiente de altíssima competição. O confronto aberto entre os postulantes tende a favorecer no eleitor uma filtragem dos excessos cometidos pelos candidatos no afã de mostrar serviço.
De resto, os limites para esse jogo estão definidos na legislação eleitoral --que, por exemplo, proíbe candidatos, após a homologação, de participarem de inaugurações-- e na Lei de Responsabilidade Fiscal --que, entre outras disposições, prevê cadeia para aquele que quebrar um banco para eleger seu sucessor.
Respeitadas essas fronteiras, a democracia comporta e estimula o exibicionismo eleitoral --com todo o exagero e o mau gosto aos cântaros que vêm junto. E o faz em nome do bem geral.
No PSDB
Não resisto e me arrisco a expor o que considero um corolário da definição de partido político nacional exposta no início deste texto. Parece-me secundário o argumento --que tem sido utilizado como tática pelo governador paulista-- de que o PSDB estaria correndo um risco excessivo se permitisse que Serra deixasse a Prefeitura de São Paulo para candidatar-se ao Planalto.
As legendas organizam-se, como disse, para conquistar o poder nacional. Tudo o mais se acomoda a esse desiderato. O que importa aos tucanos é indicar o candidato que tenha mais chances de conquistar a Presidência. Se o custo da indicação for a perda do poder municipal na capital paulista, paciência. Em uma democracia, a competição política sempre implica custos e riscos, mas é exponencialmente mais custoso perder a disputa pelo cargo máximo do país porque não se combateu com o que havia de melhor.
O argumento de Alckmin a ser levado em conta é o de que o governador teria mais potencial de crescimento do que o prefeito, por representar novidade na cena política nacional e ter baixa rejeição. Contra essa promessa de desempenho futuro, os defensores de Serra exibem suas intenções de voto hoje, que estão no patamar de 32% --na hipótese em que Germano Rigotto é o candidato do PMDB--, enquanto as do governador são de 20%. Logo após o Carnaval, parece, saberemos que lado prevaleceu.
Exibidos
A razão de ser dos partidos políticos nacionais é conquistar e manter o poder federal dentro da regra do jogo. O resto é secundário. Ao competirem com todas as suas forças por esse pote de ouro no fim do arco-íris, as legendas prestam um serviço fundamental à democracia. Oferecem opções aos eleitores, baseadas seja na ideologia, seja na empatia com os candidatos, seja na percepção de uma vantagem particular, egoísta, imediata.O sistema elege os vencedores e, de pronto, define a oposição. Garante, assim, o prosseguimento da disputa política no curso do governo, um dos elementos a evitar exacerbações despóticas dos governantes e a manter acesa no eleitorado a perspectiva da mudança, da alternância de poder.
Para movimentar todas essas belas engrenagens democráticas, reitero, os partidos precisam apenas comportar-se como partidos, isto é, utilizar todos os instrumentos que tenham à mão e que sejam validados pela norma jurídica para conquistar o poder.
O que acabo de dizer são truísmos, mas que por vezes são ignorados em análises que vêm sendo feitas neste momento em que os motores para a disputa pelo Planalto estão sendo aquecidos.
Identifico uma incompreensão fatal desse princípio nas críticas que se fazem ao festival de inaugurações de obras e canteiros de obras e à propagação de todo tipo de pacotes "de bondades" que têm tomado a agenda de governantes nos últimos tempos. Sim, Luiz Inácio Lula da Silva, José Serra e Geraldo Alckmin --para citar os que estão mais em evidência-- fazem campanha nessas ocasiões. Suas intenções são, sim, valer-se das vantagens orçamentárias e de visibilidade que os cargos que ocupam lhes proporcionam para melhorar as suas chances de estarem sentados na cadeira presidencial no dia 1º de janeiro de 2007.
É da natureza do regime democrático --que prevê eleições periódicas para os cargos executivos e a possibilidade de uma reeleição, no caso brasileiro-- compelir os políticos e seus respectivos partidos a adotar esse comportamento. A utopia dos que criticam o surto de estrelismo dos governantes parece ser a de um regime frio, dominado por tecnocratas que sabem exatamente onde e como gastar e cuja virtude moral dispensa o exibicionismo. Mas isso é o mesmo que desejar a morte da competição política.
Não há ciclos "eleitoreiros" em uma ditadura perfeita. Tudo o que o príncipe tem de fazer é balancear as doses da opressão e da concessão de regalias, a fim de manter-se no trono. Apenas a competição dos partidos pelo poder político em uma sociedade democrática instaura os tais ciclos. Ao fazê-lo, assegura a permanência de linhas de transmissão entre representantes e representados. Para ganhar votos e suplantar seus adversários no próximo pleito, o governante atende a necessidades bastante concretas de segmentos da população.
A utopia democrática quer nos convencer de que a sociedade que segue em seus trilhos acaba beneficiando o conjunto da população não apenas ao garantir as liberdades civis mas também ao favorecer o desenvolvimento.
Diversos governos e legislaturas federais, na fase democrática brasileira recente, concorreram para instalar um respeitável colchão de assistência social destinado à parcela mais pobre da população, nos marcos da Previdência Rural, da Lei Orgânica da Assistência Social e dos programas de transferência direta de renda. Estes vêm sendo expandidos na gestão Lula e agregados no Bolsa-Família.
Que não restem dúvidas de que o presidente age, nesse terreno, com os olhos totalmente voltados à reeleição. Mas a resultante de tudo isso --bem como do aumento do salário mínimo para R$ 350, dando seqüência ao processo de uma década de elevações desse piso acima da inflação-- é a ampliação da proteção aos mais pobres.
Muito do que Alckmin exibe como trunfo na sua cruzada para tornar-se o presidenciável tucano são também conquistas importantes para os paulistas. O aprofundamento da calha do rio Tietê, a aceleração das obras do metrô na capital e as centrais de prestação de serviços públicos mais rápidos e baratos --os Poupa-Tempo-- espalhadas pelo Estado vão ao encontro de necessidades reais de grande parcela da população.
O mesmo se pode dizer de alguns emblemas que Serra utilizará em sua campanha se for ungido candidato do PSDB. O advento dos medicamentos genéricos, a consolidação do programa brasileiro de tratamento da Aids --um paradigma mundial-- e a emenda que garantiu mínimos orçamentários para a Saúde são importantes para os cidadãos, especialmente os mais pobres, que dependem da rede pública.
Todos esses avanços foram obtidos dentro do mais desabrido --e legítimo-- interesse eleitoral de seus mentores políticos. Deriva do mesmo princípio, embora enriqueça mais o anedotário político, que Serra proceda a "pré-inaugurações" e recapeie ruas em pleno período de chuvas; que Alckmin faça cerimônia até para assinar projeto de lei e só neste ano tenha resolvido entregar material escolar de graça; e que Lula tenha descoberto apenas agora a situação periclitante das estradas federais e transformado a mamona em salvação da lavoura.
Políticos em época de campanha precisam exibir seus feitos, os imaginários e os concretos, senão a sua carreira estará liquidada em um ambiente de altíssima competição. O confronto aberto entre os postulantes tende a favorecer no eleitor uma filtragem dos excessos cometidos pelos candidatos no afã de mostrar serviço.
De resto, os limites para esse jogo estão definidos na legislação eleitoral --que, por exemplo, proíbe candidatos, após a homologação, de participarem de inaugurações-- e na Lei de Responsabilidade Fiscal --que, entre outras disposições, prevê cadeia para aquele que quebrar um banco para eleger seu sucessor.
Respeitadas essas fronteiras, a democracia comporta e estimula o exibicionismo eleitoral --com todo o exagero e o mau gosto aos cântaros que vêm junto. E o faz em nome do bem geral.
No PSDB
Não resisto e me arrisco a expor o que considero um corolário da definição de partido político nacional exposta no início deste texto. Parece-me secundário o argumento --que tem sido utilizado como tática pelo governador paulista-- de que o PSDB estaria correndo um risco excessivo se permitisse que Serra deixasse a Prefeitura de São Paulo para candidatar-se ao Planalto.
As legendas organizam-se, como disse, para conquistar o poder nacional. Tudo o mais se acomoda a esse desiderato. O que importa aos tucanos é indicar o candidato que tenha mais chances de conquistar a Presidência. Se o custo da indicação for a perda do poder municipal na capital paulista, paciência. Em uma democracia, a competição política sempre implica custos e riscos, mas é exponencialmente mais custoso perder a disputa pelo cargo máximo do país porque não se combateu com o que havia de melhor.
O argumento de Alckmin a ser levado em conta é o de que o governador teria mais potencial de crescimento do que o prefeito, por representar novidade na cena política nacional e ter baixa rejeição. Contra essa promessa de desempenho futuro, os defensores de Serra exibem suas intenções de voto hoje, que estão no patamar de 32% --na hipótese em que Germano Rigotto é o candidato do PMDB--, enquanto as do governador são de 20%. Logo após o Carnaval, parece, saberemos que lado prevaleceu.
Vinicius Mota, 33, é editor de Opinião da Folha (coordenador dos editoriais). Foi também editor do caderno Mundo e secretário-assistente de Redação da Folha. Escreve para a Folha Online aos domingos. E-mail: vinicius.mota@folha.com.br |