Pensata

Vinicius Mota

05/03/2006

De paraíso eles entendem

Dom Odilo Scherer parece que deixou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva irritado ao dizer que a gestão petista transformou o Brasil num "paraíso financeiro". Quando Lula fica invocado, sai de baixo. Certa manhã, evadiu-se do leito nesse estado de espírito, disparou um telefonema para o presidente dos EUA e resolveu os problemas da América Latina. Isso é que é liderança de pulsos.

Mas, antes de ligar para o papa, Lula deveria refletir um pouco e reconhecer que Scherer não é um crítico qualquer. Chefia o Secretariado Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Versado em teologia, exegeta dos testamentos, ele sabe bem o que fala. Ao enunciar o paraíso das finanças, refere-se a abundância, ganho fácil, gozo sem trabalho. Convenhamos, sr. presidente: nesse Éden com jardins estrelados e jabuticabeiras em fruto que brota do cerrado, se o curso d'àgua não leva ao Tigre nem ao Eufrates (um Paranoá já quebra o galho), os capitais se banqueteiam como em nenhum outro ponto do planeta.

No paraíso bíblico é difícil entrar. Numa bela tarde, Iavé ficou invocado com a desobediência de Adão e Eva, enxotou-os do Éden em meio a impropérios e maldições cujas conseqüências amargamos até hoje e cercou o local de um batalhão de querubins com cara de poucos amigos e uma enorme espada em chamas para que ninguém ousasse fazer o caminho de volta.

Para que tanta truculência? Muito mais acolhedor é o Éden financeiro do Planalto Central. Entra quem quer, na hora que desejar; e sai quando lhe der na telha, sem perturbações, na santa paz, feliz da vida, com uns quilinhos a mais e o farnel abarrotado. Aos estrangeiros devota-se atenção especial; eles não precisam nem pagar tributo: levam tudo o que colhem.

Que não se acuse, porém, o governo Lula de privilegiar os capitais que vêm de fora. Há um sentido nacionalista na sua visada. Os grandes bancos brasileiros se alegram como nunca e quase se afogam em lucros paradisíacos. Maldosos filhos da serpente são os que relacionam o êxtase bancário ao fato de terem essas instituições passado à condição de maiores doadores de dinheiro ao PT. Chegam a falar em dízimo os detratores. Esses decaídos não sabem ou não querem reconhecer a manifestação de um estado de graça.

Se Lula quiser argüir dom Odilo em terreno promissor, uma opção é dizer que o bispo não detém o monopólio dos assuntos edênicos. Como testemunhas de que o petismo já teve visões santimoniais de bosques fecundos, senão de exóticas ilhas caribenhas, pode arrolar dois amigos seus do passado recente: o publicitário que levou o seu verbo aos brasileiros em 2002 e o tesoureiro que pilotava as finanças da campanha. Um terceiro e calvo testemunho convocado de Minas Gerais ajudaria a dar fé cabal de que, de paraíso, eles também entendem.




Em tempo: parece que a árvore do conhecimento do bem e do mal foi arrancada pela raiz do local em que estava plantada, no Éden candango. A Polícia Federal já abriu inquérito para investigar o caso. Não ficará pedra sobre pedra.
Vinicius Mota, 33, é editor de Opinião da Folha (coordenador dos editoriais). Foi também editor do caderno Mundo e secretário-assistente de Redação da Folha. Escreve para a Folha Online aos domingos.

E-mail: vinicius.mota@folha.com.br

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