Pensata

Vinicius Mota

26/03/2006

Alckmin quadro a quadro

A foto do time de pratas da casa do candidato tucano ao Planalto seria mais ou menos esta: perfilam-se Saulo de Castro Abreu, Gabriel Chalita, Yoshiaki Nakano, João Carlos Meirelles, Emanuel Fernandes e Nagashi Furukawa. São esses, dentre os assessores do governador Geraldo Alckmin, os mais salientes, seja por seus atributos administrativos, seja por seus dons midiáticos, seja pela confiança que o chefe neles deposita.

Se retratarmos a equipe mais próxima de Alckmin à véspera de 1º de outubro, o tempo inicial da grande decisão, quantos dos hoje chamados alckmistas estarão lá? Quantos dos sete cavalheiros constariam na lista dos ministros mais importantes numa hipotética posse em 1º de janeiro de 2007? Arrisco a resposta: poucos. E completo: os que restarem terão aprimorado tanto o seu estilo de jogo que já não serão reconhecidos na fotografia do passado.

Estão corretas as análises que enxergam na ascensão de Alckmin, sobrepujando José Serra, o prenúncio de uma troca de guarda no PSDB. O ex-prefeito de Pindamonhangaba lidera um grupo emergente de políticos, oriundos da periferia do sistema de poder que tem marcado o partido. São homens, muitos do interior do Estado, cuja formação acadêmica passa ao largo do tradicional arranjo USP/Cebrap/Unicamp --sem falar da rarefação de seus contatos com o mundo da alta finança e da grande empresa e da ausência de vínculos com o antigo PCB e o que podia ser chamado de esquerda católica na década de 1960".

No gabinete de Alckmin, Emanuel Fernandes e mais dois secretários são engenheiros formados pelo ITA, uma instituição militar de ponta cujos quadros não têm tido penetração na hierarquia tucana. Nakano é ligado à FGV paulista. Saulo Abreu, Gabriel Chalita e Hédio Silva (Justiça) vêm da PUC-SP. O virulento ataque de uspianos e similares ao valor acadêmico de Chalita, dos alckmistas o mais afeito a sobrevôos intelectuais, não é apenas uma crítica (correta) à qualidade de sua obra mas sobretudo um estridente "ponha-se no seu lugar" que revela bem as fissuras no campo de poder tucano.

Uma coisa, porém, é identificar a situação de partida do candidato Alckmin. Outra, muito diferente e equivocada, é transferir esse quadro sem nenhuma mediação para um suposto governo do tucano. Por ser pouco mais que um livro em branco na política federal, o governador paulista agora vai em busca dos quadros nacionais. Muitos deles encontrará em seu próprio partido, nos remanescentes da gestão Fernando Henrique Cardoso --e aí há de dar-se a reconstrução de boa parte das pontes geracionais destruídas na disputa com Serra.

Mas o que definirá a personalidade amadurecida de Alckmin e seu séquito no teatro nacional de operações serão as alianças que ele fará regionalmente e com grupos extrapartidários.

É muito difícil que, num hipotético governo Alckmin, a macroeconomia deixe de ser pilotada por quadros da esfera de influência da PUC-RJ. Um candidato tão dependente de alianças no Nordeste e no Norte para tornar-se presidente não se harmoniza com a efígie de um Nakano, tesoura impiedosa à mão a cortar gasto público --e Nakano gosta de câmbio alto e juros baixos, o que o indispõe com puquianos e seus prosélitos nas instituições financeiras.

Não é verossímil a imagem de Saulo Abreu na pasta da Justiça, conspurcando sem mais a zona de influência dos juristas do largo de São Francisco e chefiando a Polícia Federal. O bloqueio à ascensão de Chalita parece que foi o primeiro a funcionar.

Alckmin não parte para a disputa presidencial como um político nacional. É um craque no certame paulista que terá de aprender logo a driblar entre os melhores do país. Uma notável metamorfose ainda está por acontecer, o que vai acarretar sensíveis alterações na lista de companheiros de equipe.

Transferindo a alegoria para o domínio da literatura, o candidato do PSDB passará nos próximos meses pela experiência de um "Bildungsroman" (romance de formação). Como os heróis de "Wilhelm Meister", de Goethe, e de "Grandes Esperanças", de Dickens, o tucano será lançado num processo de depuração de sua presença no mundo (da política) mediante choques que vão ampliar muito a sua tolerância e matizar o seu voluntarismo. Será interessante acompanhar quadro a quadro essa lapidação.
Vinicius Mota, 33, é editor de Opinião da Folha (coordenador dos editoriais). Foi também editor do caderno Mundo e secretário-assistente de Redação da Folha. Escreve para a Folha Online aos domingos.

E-mail: vinicius.mota@folha.com.br

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