Pensata

Vinicius Mota

16/04/2006

À vista ou a prazo

Depois do depoimento espontâneo de Duda Mendonça na CPI dos Correios, no Dia da Pendura (11 de agosto) do ano passado, a trama para desmoralizar o caseiro Francenildo Costa costurada na cúpula do governo Lula marca o segundo momento, ao longo de mais de 9 meses de crise política com dores mas sem parto, em que um movimento a favor do impeachment do presidente da República é ensaiado. Pelo que pude entender das falas e dos escritos que tratam do tema, foram construídas duas "hipóteses de trabalho", uma à vista e outra a prazo, para a abertura de processo por crime de responsabilidade contra Luiz Inácio da Silva. A elas:

1) Impeachment já

Luminares da sociedade brasileira seriam escalados para assinar a peça propondo a abertura do processo, cuja argumentação se assentaria na responsabilidade do presidente da República pelos desmandos: no mínimo teria se omitido diante de um crime de Estado cometido no mais alto escalão de governo, sem falar da série de omissões presidenciais, mal escudadas no "eu não sabia" e no "fui traído", no caso do mensalão. A probabilidade de essa hipótese vir a ser concretizada, supondo que nenhum fato novo se apresente, é pequena, depreende-se da própria argumentação da oposição, pelos seguintes fatores:

- Popularidade de Lula: segundo o Datafolha de 7 de abril, o desempenho pessoal do presidente é aprovado (índice de ótimo/bom) por 46% dos eleitores o de seu governo tem o aval de 37% (mesmo patamar de Fernando Henrique Cardoso em abril de 1998, último ano do primeiro mandato);

- Economia e gasto social em expansão: não apenas o PIB já mostra estar em aceleração (o que, para os eleitores, pode não significar nada), mas o emprego e a renda também (a inflação baixa e em declínio estimula ainda mais o consumo doméstico); os gastos sociais se expandem e ampliam sua cobertura populacional por conta do Bolsa-Família e do efeito que o grande aumento do salário mínimo terá sobre outros programas de transferência de renda oferecidos pelo Estado brasileiro;

- Controle do Congresso: o mensalinho de Severino Cavalcanti, sua renúncia e a ascensão de Aldo Rebelo marcaram o ponto de inflexão para a retomada, pelo governismo, do controle da Câmara em bases precárias para vôos mais altos mas suficientes para deflacionar a punição de mensaleiros e barrar na entrada qualquer pedido de impeachment, mantidas as atuais condições de temperatura e pressão;

- Proximidade da eleição: um processo de impeachment agora, a menos de seis meses do primeiro turno do pleito presidencial, seria automaticamente entendido como parte da disputa pelo Planalto, o que facilitaria a defesa de Lula e, no caso de uma derrota do pedido de impedimento, funcionaria como trunfo para o petista na campanha para a reeleição.

Ainda que o impeachment fosse adiante no Congresso e resultasse na deposição de Lula, restaria a sua popularidade, que seria constantemente instrumentalizada pelos grupos próximos ao petismo, o que poderia levar a uma indesejável desestabilização da política nacional nos anos seguintes. Fora do trono, a imagem de Lula, explorada como uma espécie de Dom Sebastião (mas com paradeiro conhecido e endereço fixo), funcionaria como uma senha para a falta de adesão de uma parcela da elite política às regras do jogo eleitoral, senão para golpismos.

É claro que a oposição não raciocina tão longe assim quando julga restritas as suas condições para desfechar o impeachment de Lula. A embasar seus cálculos está apenas o desejo legítimo de retomar a Presidência dentro de uma via constitucional (o impeachment) a qual o governo Lula tem feito redobrados esforços para trilhar.

2) Impeachment como "hedge"

Descrente da deposição imediata de Lula e diante do favoritismo do petista estampado nas pesquisas eleitorais, parte do oposicionismo esboça, em base precária e sem exibi-la como formulação propriamente dita, a teoria do impeachment como seguro contra uma derrota em outubro. A "hipótese Nixon" (presidente dos EUA reeleito com mais de 60% dos votos em 1972 a despeito do escândalo do "Watergate", mas que foi obrigado a renunciar, nem bem completada metade do segundo mandato, devido ao progresso das investigações sobre o crime) se baseia nas seguintes conjecturas:

- Repercussão duradoura do escândalo: a denúncia já apresentada pelo procurador-geral da República ao Supremo Tribunal Federal, as apurações ainda em progresso a respeito da violação do sigilo bancário de Francenildo Costa e todos os rastros deixados pelo escândalo do mensalão ainda carentes de apuração mais profunda fazem crer que uma espada persistirá sobre a cabeça de Lula, ameaçando-o mesmo se ele for reeleito;

- Congresso oposicionista: se Lula conseguir se descolar da crise, o mesmo não acontecerá com o PT e com outros partidos de sua base de apoio; com grandes chances de vencerem as eleições para governador de Estado nos principais colégios eleitorais, PSDB, PFL e a parte oposicionista do PMDB fariam a bancada majoritária no Congresso e elegeriam o presidente da Câmara, o que abriria um flanco de desgaste para o Executivo e deixaria as portas abertas para a aceitação de um pedido de impeachment;

- Piora na popularidade de Lula: o segundo mandato tende a ser naturalmente mais desgastante para o presidente, o que no caso de Lula seria agravado por ter perdido os principais quadros políticos do petismo, enredados em escândalos, e pelo aumento de suas dificuldades no trato com o Congresso; além disso, nada garante que o ciclo de bonança da economia doméstica e global se alongue por mais um ou dois anos.
Não é preciso muito para atestar a imponderabilidade dessas suposições, posto que lidam com dois temas cuja característica é escorrer pelos vãos dos dedos: o futuro e a política. Se a "hipótese Nixon" vai exercer função outra que não a de proporcionar algum alento anímico a uma oposição que já esteve mais esperançosa sobre suas chances eleitorais, quem viver verá.
Vinicius Mota, 33, é editor de Opinião da Folha (coordenador dos editoriais). Foi também editor do caderno Mundo e secretário-assistente de Redação da Folha. Escreve para a Folha Online aos domingos.

E-mail: vinicius.mota@folha.com.br

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