Pensata

Vinicius Mota

21/05/2006

Boletim de ocorrência

Faltou sobretudo governo na crise do PCC em São Paulo. Ficou patente o despreparo das instâncias burocráticas e dos homens públicos para lidar com uma situação excepcional. A batalha fundamental, a da comunicação, foi perdida pelas autoridades. Que sirva de lição para o futuro: quando um governo é incapaz de articular informações em momentos críticos e orientar os cidadãos em tempo real, lança ao descrédito o princípio da autoridade e permite que a lei do cão impere.




Somos todos policiais. Agentes do Estado foram vítimas de uma campanha covarde de assassinatos genéricos e aleatórios, uma experiência terrorista. Nem bombeiros foram poupados. Deveriam ter recebido o tratamento que vítimas de extermínio merecem, principalmente da parte de organizações e ativistas defensores dos direitos humanos; isso sem prejuízo da tarefa de cobrar do poder público explicações sobre as circunstâncias das mortes de mais de cem pessoas na esteira da reação policial. Não estamos mais na ditadura e não temos por que enxergar a polícia como inimiga da sociedade. Como eleitores e cidadãos, somos co-responsáveis por ela; um ataque à polícia é um atentado aos nossos valores legalistas e merece todo o repúdio, todos os esforços para reconfortar famílias e todo o empenho possível em buscar os culpados por tamanha barbárie.




Negociar era preciso. O governo estadual foi criticado por pessoas de filiações ideológicas e partidárias diversas, por "negociar com bandidos". O termo que sintetiza a crítica é propositadamente genérico e em geral tem objetivos de palanque, mas precisa de complemento para que seja esclarecido. Não foi um erro em si negociar com lideranças de motins o fim de rebeliões em presídios. Era uma atitude necessária e sensata, dadas as circunstâncias, para acabar com as rebeliões o mais rapidamente possível, com o mínimo de vítimas. Ou o que se desejava eram massacres à Carandiru em série? A questão a saber é se o que o governo ofereceu em troca está amparado na legislação. E isso requer investigação do Ministério Público.




Não pode acontecer novamente. Se há uma "prioridade zero" para as ações imediatas e de médio prazo na segurança pública paulista, é evitar que uma segunda onda de ataques do crime organizado, semelhante à ocorrida na semana passada, venha a ocorrer em São Paulo. Se a população paulista tiver de se habituar a demonstrações periódicas de "poder político" de bandidos, então é melhor esquecer nossas ambições civilizatórias e democráticas e aceitar a tirania de Marcola e companhia. Pior: a "prática" freqüente de ofensivas como essa tende a levar PCC e assemelhados a desenvolver uma segunda técnica terrorista, ainda em germe: escolher como alvo principal a população civil a fim de pressionar as autoridades. Seria a consumação do terror.




P.S.: Lula já é passado. Evo Morales ainda tem de tomar muito chá de coca. Da entrevista a Mônica Bergamo, na "Folha de S.Paulo", surgiu a verdadeira ameaça à ascendência de Hugo Chávez na América Latina: Cláudio Lembo, o arquiinimigo da burguesia má.
Vinicius Mota, 33, é editor de Opinião da Folha (coordenador dos editoriais). Foi também editor do caderno Mundo e secretário-assistente de Redação da Folha. Escreve para a Folha Online aos domingos.

E-mail: vinicius.mota@folha.com.br

Leia as colunas anteriores

//-->

FolhaShop

Digite produto
ou marca