Pensata

João Pereira Coutinho

16/10/2006

Essas mulheres

Escuta aqui, ó portuga: que idéia é que vocês, portugueses, têm dos brasileiros que vivem em Portugal? A pergunta foi freqüente nos meus dias paulistanos. Em público ou privado, existia sempre alguém interessado em saber a opinião do patrício sobre os primos mais distantes. A minha resposta era invariavelmente a mesma: pessoalmente, gosto. Mas também confesso que falo mais do feminino que do masculino. Digo mais: as mulheres brasileiras fizeram mais por Portugal do que séculos e séculos de permutas acadêmicas, literárias, culturais.

O auditório feminista não gosta de ouvir. E confunde uma observação objetiva com segundas intenções. Não existem segundas intenções. Apenas as primeiras. As que ficam. E então acrescento: tempos houve em que "beleza" e "mulher portuguesa" não rimavam na mesma frase. O escritor Miguel Esteves Cardoso, que entendeu os portugueses melhor que ninguém, comentava há uns anos que a imagem de uma mulher bonita, entre nós, era motivo para conversas infindas durante semanas infindas. Fato, Miguel, fato. Atendendo à escassez da espécie, a visão de uma mulher bonita tinha o impacto de um marciano que subitamente aterrava no fundo do quintal. Era um acontecimento. Era um choque. Era um meteorito cruzando os céus, deixando um rastro de fogo nas nossas imaginações carentes e lunares. A "Mulher Bonita" era um ser de contornos mitológicos. Como as fadas. Os duendes. Os esquerdistas inteligentes. O resto era desolador. Rostos fechados. Pernas também. E o clássico bigode, que crescia por desleixo. Como as ervas daninhas de um jardim abandonado.

Tudo mudou. Milhares de brasileiros cruzaram o Atlântico. Milhares de brasileiras também. As ruas de Lisboa e do Porto foram inundadas por um certo calor tropical que deixou os homens assustados e maravilhados em partes iguais. Foi a nossa passagem do cinema mudo para o sonoro. Do preto e branco para a cor genuína. Adultos choravam nas esquinas das cidades, como pobres famintos a quem é oferecido um manjar celestial.

Claro que a chegada em massa de brasileiras em massa não contentou toda a gente. Não contentou as próprias mulheres lusitanas, subitamente jogadas nas cordas da concorrência internacional. Mas até aqui o liberalismo clássico se revelou um profeta certeiro: a concorrência tende a melhorar o produto para alegria geral dos consumidores.

E o produto foi melhorado pela "mão invisível" da competição hormonal. As portuguesas, dispostas a não perder a sua cota de mercado, deixaram que o jardineiro entrasse lá em casa, com tesoura de poda, pronto para cortar a grama florestal. Subiram-se saias. Desceram-se decotes. Os portugueses descobriam, atónitos, que as suas mulheres também tinham formas de mulheres. Conheço casos de amigos que, de uma dia para o outro, concluíam que o irmão, afinal, era uma irmã. E, com a passagem dos anos e a chegada de mais mulheres brasileiras, "beleza" e "mulher portuguesa" passaram a rimar nos nossos dias subitamente líricos e solares. Já não havia uma única mulher bonita a cruzar os céus dos nossos dias e capaz de alimentar conversas entre machos durante noites e noites de insónia febril. Havia uma mulher bonita todas as horas. Em todos os lugares.

Hoje, difícil em Portugal é não encontrar uma mulher bonita. O cenário já cansa; e nós, homens, sonhamos até, por motivos perversos e ligeiramente patológicos, em vislumbrar uma feia. Só para descansar o olhar e arrefecer o corpo martirizado. Inútil. Mesmo as feias têm um certo encanto: a sensualidade real de quem compensa a ausência de formas com algum interesse de conteúdo.

Obrigado, Brasil. Um dia alguém irá escrever essa história: a história de como as mulheres brasileiras, cinco séculos depois de Cabral, descobriram, finalmente, Portugal. E de como os portugueses descobriram também as mulheres indígenas que tinham em casa. Sim, essas mulheres. Sim, as nossas mulheres: injustamente perdidas e escondidas na floresta amazónica da frigidez secular.
João Pereira Coutinho, 31, é colunista da Folha. Reuniu seus artigos para o Brasil no livro "Avenida Paulista" (Ed. Quasi), publicado em Portugal, onde vive. Escreve quinzenalmente, às segundas-feiras, para a Folha Online.

E-mail: jpcoutinho.br@jpcoutinho.com

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