Pensata

João Pereira Coutinho

04/04/2005

Vamos salvar o Toby?

1 de abril

BRUXELAS -
Um homem de 36 anos foi levado a tribunal. Crime: sexo com cachorros. Repetidamente e, dizem os especialistas, com publicação na internet.

O homem não está arrependido. Arrependido? Ele fez tudo por "compaixão". Diz ele que os cachorros passam todo o dia fechados nas gaiolas do município, suspirando por uma palavra meiga, uma carícia íntima, um momento a sós. Ele entrou, acendeu as velas, dançou uma música bem sensual, tomou um copo e depois se entregou ao momento. Não sei se saiu a meio da noite, como qualquer vigarista que não respeita seu par. Talvez não. Talvez tenham fumado um cigarro, imaginando o futuro, entre perguntas clássicas: "Foi tão bom para você como foi para mim, meu bem?" E Bobby (digamos assim) respondendo: "Ão, ão". Pressinto amor neste latido.

A Bélgica está em estado de choque. Não apenas pelo crime mas, simplesmente, porque a Bélgica está sempre em estado de choque. Exagero. Amor entre homens e animais é história antiga e até comum. Woody Allen filmou uma relação intensa entre um médico e uma ovelha, que conquistou platéias. Eu próprio, verdade seja dita, já tive meus momentos. Estou falando de uma galinha que, se me permitem, era a maior gata. Até ao dia em que uma gata comeu a galinha. Nenhum problema: a relação estava condenada à partida. Ritmos diferentes, interesses pouco comuns, o drama do casal moderno.

De resto, existe um clima crescente --científico e até ideológico-- que tende a "humanizar" os animais, apagando as velhas fronteiras que separam os homens dos bichos. Na cidade de Glasgow, na Escócia, cinco cachorros suicidaram-se há poucas semanas, em condições ditas "preocupantes". Especialistas ouvidos a respeito declararam que os cachorros deviam estar em fase depressiva aguda, motivada por relações com os seus donos. Ou isso, ou conheceram o belga, digo eu. Tratamento adequado, segundo psicoveterinários, envolve sessão terapêutica e farmacológica. Estou imaginando o filme: o pastorzinho alemão deitado no divã, ladrando sua infância e recebendo murmúrios do analista, que agradece a sinceridade com biscoitos em forma de osso.

Sem falar da nova experiência em Silicon Valley, EUA: células humanas implantadas no cérebro de um ratinho. Os cientistas tranqüilizam a humanidade, dizendo que o ratinho não será uma espécie de Stuart Little, capaz de falar, tocar piano e participar em aventuras familiares. Se for, eles o matam. Que pena. Eu já conheço várias pessoas que têm a cabeça de um rato. Basta ligar a televisão. Mas gostava de ver um rato com cabeça de gente. Precisamos renovar nossa classe política.

E precisamos renovar nossa visão do mundo. Todos os dias, notícias várias comprovam a tese: os animais têm "sentimentos" e, mais, têm "direitos". Como qualquer um de nós. Os animais deixaram de ser uma companhia doméstica --uma companhia doméstica que devemos tratar com decência precisamente pela nossa superioridade enquanto humanos. Uma questão de educação, sensibilidade e bom senso.

Não, dizem os sábios: não existe superioridade humana perante os animais. Esse crime, aliás, tem nome: "especismo", uma espécie de racismo perante os bichos. Ou seja: entre você e um coelho, você não é melhor do que o coelho.

Não admira que um dos casos mais chocantes destes dias tenha um coelho como protagonista. Um coelho raptado por um lunático que exige resgate on-line: 50 mil dólares até dia 30 de junho ou Toby (nome do raptado) vai parar à panela. Associações de Direitos dos Animais em todo o mundo correm contra o tempo. Algumas, imagino, querem ouvir a voz de Toby, só para confirmar se ele ainda está vivo. E o criminoso, com seu esquema maléfico, já conseguiu 20 mil dólares até ao momento. Faltam 30 mil.

Por isso, se você quer ajudar, clica aqui: www.SaveToby.com. Eu vou procurar meus gatos pela casa inteira. Volto já, já.
João Pereira Coutinho, 31, é colunista da Folha. Reuniu seus artigos para o Brasil no livro "Avenida Paulista" (Ed. Quasi), publicado em Portugal, onde vive. Escreve quinzenalmente, às segundas-feiras, para a Folha Online.

E-mail: jpcoutinho.br@jpcoutinho.com

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