Pensata

Newton Carlos

12/03/2005

O "cocalero" Evo Morales

Esse de jeito nenhum. Foi como Otto Reich, na época o encarregado da América Latina no governo Bush, expressou seu veto a Evo Morales. Era 2002, ano de eleições presidenciais na Bolívia, Morales disputava com vigor, mas acabou ganhando um fiel aliado de Washington, Sanchez de Losada, depois derrubado por bolivianos rebelados nas ruas, Morales à frente. A disposição renovada é de tornar-se o primeiro presidente indígena do pais triunfando em 2007. As cargas contra o sucessor de Losada, o ex-vice Carlos Mesa, são partes do projeto de tomada do poder.

Reich não via com bons olhos o Movimento ao Socialismo, a legenda de Morales. É um partido que procura desencavar "teses" da revolução de 1952, quando o estanho foi estatizado e feita uma reforma agrária. Mas Reich não suportava sobretudo as atividades de Morales como presidente da federação dos "cocaleros", nos altos de Cochabamba. Seu sucessor em Washington, Roger Noriega, mantém os mesmos graus de fobia. Embora a plantação de folha de coca seja atividade legal, Reich encarava uma eventual vitória de Morales como principio de instalação na Bolívia de uma narco-república.

Centros de estudos americanos têm outras preocupações. Os povos indígenas (quíchuas, aimarás e guaranis) talvez representem 80 por cento da população boliviana. Não os 62 por cento oficiais, segundo Morales. O fato é que também contabilizando "cholos" e mestiços, sobram não mais de 15 por cento para os brancos, herdeiros da coroa espanhola. A legião majoritária conseguiu o direito de votar na revolução de 1952, o que não se traduziu em "inclusão social". Ela está cada vez mais mobilizada, em função da conquista do poder. Para Morales, seu intérprete, é mera questão plebiscitária.

Deve afinal impor-se a maioria. Com que propósitos ?. "Não queremos a democracia representativa, queremos uma democracia participativa, vamos refundar a Bolívia, mudar o sistema político e o modelo econômico", disse Morales ao "Le Monde". Nos Estados Unidos isso é examinado no contexto de estudos sobre a incapacidade de "estados fracos" em preservar a integridade nacional. Se indígenas do altiplano e brancos das terras baixas tomam rumos diferentes, o continente presenciaria a maior turbulência geopolítica desde o século 19. É o aviso contido em estudos americanos.

Morales mobiliza o altiplano e embaixo, a partir de Santa de la Sierra, onde gravitam petróleo e gás, sentimentos separatistas correm soltos. No alto indigenismos, compulsões estatizantes e nostalgias de uma revolução de 53 anos atrás, cuja demolição já se completou há muito tempo. Na planície "agrobusiness" e negócios com multinacionais
do petróleo e gás. Uma assembléia constituinte deve acontecer ainda este ano. "Os indígenas conquistarão setenta por cento dos assentos", garante Morales. O futuro parlamento "deverá submeter-se ao povo, sem vantagens ou salários elevados".

As palavras de ordens são claras. Não ficarão em mãos privadas ou sob concessões nenhum recurso mineral, florestal ou de hidrocarbonetos, sobretudo petróleo e gás. Serão assumidos por empresas do Estado, cooperativas ou empresas de autogestão. Serviços públicos privatizados, na visão de Morales, eqüivalem a violações dos direitos humanos. "Caudilho narcisista", é como o escritor boliviano Juan Cláudio Lechin define Morales. Lechin é nome nobre na crônica revolucionária da Bolívia.

Foi um Lechin que liderou os mineiros que em 1952 derrotaram o Exército.
Newton Carlos é jornalista e escritor especializado em política internacional. Ele escreve quinzenalmente para a Folha Online.

E-mail: newton.carlos@folha.com.br

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