Pensata

Newton Carlos

28/03/2005

Revoada dos falcões

A afirmação de Condoleezza Rice, secretária de Estado dos Estados Unidos, de que "vamos construir um Oriente Médio de tipo diferente", lembra o que disse Cunning quando Bolívar terminou de derrotar os espanhóis em Ayacucho, nos Andes peruanos, em 1830. "A América Latina está livre e é nossa", festejou Cunning, na época ministro do Exterior inglês. A idéia de um "outro Oriente Médio", mais ocidental, menos islâmico, aberto a Israel, submisso a Washington, sempre ocupou a cabeça da agenda de montagem de um "novo século americano", o projeto de expansão imperial dos neoconservadores de Bush.

Rice e seus "vulcânicos", como era conhecido o grupo liderado por ela, se instalaram no Conselho de Segurança Nacional, dentro da Casa Branca, com esse propósito totalmente assumido. O mesmo se aplicou a Paul Wolfowitz, nomeado o segundo na hierarquia do Pentágono. Foi quem fez o "design" da invasão do Iraque e se encarregou de impulsiona-la. As autoridades civis de ocupação ficaram conhecidas como "wolfis", ou os rapazes de Wolfowitz, mas a operação tornou-se pesadelo do ponto de vista militar, tanto que sobreveio a convicção de que novas invasões ficam descartadas.

O projeto teria de encontrar novos instrumentos e por isso, em boa parte, há uma revoada de falcões, Rice pousando no Departamento de Estado, Wolfowitz no Banco Mundial, John Bolton na delegação junto à ONU, etc. Rice se encarrega de manter em ebulição as promessa de "espalhar a democracia", o mote adotado de forma agressiva no discurso de posse do segundo mandato de Bush. O foco é o Oriente Médio e a secretária de Estado cita como um possível modelo a transição nos ex-países comunistas da Europa oriental, hoje agrupados no que Rumsfeld, chefe do Pentágono, saúda como uma "nova Europa", sem os antiamericanismos da velha.

Ao lado de Rice foi colocada uma texana da intimidade de Bush, Karen Hughes, cuja tarefa é "mudar a percepção islâmica em relação aos Estados Unidos". A própria Rice fala que é preciso fazer muito mais do que é feito para "conter a propaganda de ódio muito comum no universo islâmico". É onde entra Hughes, que já foi repórter de televisão. Ela tem como assessora imediata Dina Powell, nascida no Egito, ex-diretora de pessoal da Casa Branca. O advento de um "poder popular", num pais árabe, o Líbano, faz a alegria de Rice e Hughes. É possível mudar sem invasões.

E capitaliza-lo por meio de retórica de intimidação da banda velha. Wolfowitz na presidência do Banco Mundial é encarado como movimento agressivo destinado a colocar o selo do governo Bush na maior fonte de ajuda aos países pobres. O Banco Mundial se torna Banco Americano, segundo o editor da "Foreign Policy". O arquiteto da invasão do Iraque assumirá o comando, caso sua indicação seja confirmada, de uma instituição que dá empréstimos totalizando, em média anual, 20 bilhões de dólares. Não estão isento de exigências. Elas em geral tem enorme influência na formação de políticas dos países que se endividam e com Wolfowitz podem ficar a serviço do governo Bush.

O presidente em retirada, James D. Wolfensohn, designado por Clinton, teve choques freqüentes com o pessoal de Bush. Na ONU se instalará John Bolton, uma nomeação intrigante. Como responsável por questões de desarmamento no Departamento de Estado ele adotou posições unilaterais desfazendo acordos. É em grande parte responsável pela impasse com a Coréia do Norte e quer posições de confronto com o Irã. Passa a representar os Estados Unidos numa instituição, a ONU, que procura manter a vigência de mecanismos multilaterais de negociações.
Newton Carlos é jornalista e escritor especializado em política internacional. Ele escreve quinzenalmente para a Folha Online.

E-mail: newton.carlos@folha.com.br

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