Pensata

Salvador Nogueira

24/11/2005

Einstein, o Senhor dos Anéis

Astrônomos acabam de obter as mais espetaculares imagens já obtidas do famoso anel de Einstein. Com todo o respeito, naturalmente.

Os chamados "anéis de Einstein" são uma das confirmações mais bonitas da relatividade geral --a teoria que melhor explica como funciona a gravidade. Eles são também fenômenos dificílimos de observar. Isso porque exigem que duas galáxias, uma mais próxima, outra mais distante, estejam exatamente alinhadas, uma à frente da outra, com relação ao observador na Terra.

Nasa
Os oito novos anéis de Einstein observados pelos cientistas com o Hubble
Os oito novos anéis de Einstein observados pelos cientistas com o Hubble
Segundo a velha teoria da gravitação, preconizada pelo grande físico e ranzinza britânico Isaac Newton (1642-1727), raios de luz não são atraídos pela força da gravidade, pois não têm massa. Por que isso acontece? Relembrando as velhas aulas de física da escola: para calcular a atração gravitacional entre dois corpos, segundo a tradicional fórmula newtoniana, é preciso multiplicar a massa do primeiro pela do segundo. Como a luz não tem massa, o resultado da multiplicação de sua massa pela de um corpo qualquer, como o Sol, seria zero. Ou seja, a luz passaria incólume de raspão pela estrela, sem ser atraída por ela, mantendo sua imutável trajetória retilínea. Isso é o que pensava Newton.

O físico alemão Albert Einstein (1879-1955), por sua vez, concluiu diferente. Segundo sua teoria da relatividade geral, concebida em 1915, a gravidade na verdade não passava de uma curvatura na própria geometria do espaço (e do tempo). Não se tratava mais de uma força nutrida pela massa de dois (ou mais) corpos, mas do próprio "formato" do tecido do espaço. Ou seja, raios de luz, por estarem sujeitos ao mesmo espaço que os corpos com massa, deveriam ser gravitacionalmente desviados, tanto quanto um planeta é desviado de uma trajetória retilínea para girar ao redor de sua estrela-mãe.

O teste da predição de Einstein veio com um eclipse solar, em 1919. Liderados pelo astrônomo britânio Arthur Eddington, os pesquisadores montaram estações de observação na ilha de Príncipe, na África, e em Sobral, no Ceará, para fotografar a posição das estrelas, visíveis durante o dia graças à ocultação temporária da luz solar pela Lua. Depois compararam as fotos obtidas com a posição das mesmas estrelas no céu noturno, sem o suposto efeito gravitacional gerado pelo Sol. Resultado: durante o eclipse, as estrelas apareciam numa posição ligeiramente diferente, em razão da mudança de curso dos raios de luz que passaram de raspão pelas imediações solares. Einstein foi coroado o novo rei da gravitação, destronando Newton do posto.

Os anéis de Einstein, por sua vez, talvez sejam a manifestação mais bela já vista desse fenômeno da deflexão dos raios de luz. Um objeto distante emite sua luz na direção da Terra, mas, como diria Drummond, no meio do caminho tinha uma galáxia. Fosse a gravitação de Newton, a luz do objeto distante estaria ocultada de nós para todo o sempre. Mas, graças a Einstein, sabemos que a luz na verdade sofre um desvio ao passar pelos arredores da galáxia mais próxima, que age como se fosse uma lente (uma "lente gravitacional", dizem os astrônomos).

O resultado é que a imagem da galáxia ao fundo é projetada como um anel, ao redor da mais próxima. Voilà.

Até o início do mês, os astrônomos só haviam encontrado três desses anéis de Einstein. Mas, combinando imagens da Pesquisa Digital Sloan do Céu (sigla SDSS) e do venerável Telescópio Espacial Hubble, um grupo de cientistas acabou de encontrar nada menos que oito novos anéis, praticamente quadruplicando o número total, numa tacada só. (Os resultados do estudo serão publicados em fevereiro do ano que vem no periódico científico "Astrophysical Journal".)

Além de confirmar belamente as predições de Einstein, lentes gravitacionais são muito úteis. Ao ampliar a imagem de objetos distantes, elas permitem que sondemos estruturas que de outra forma seriam inobserváveis à distância que estão da Terra. Já se usou o fenômeno até mesmo para encontrar planetas fora do Sistema Solar, a uma distância de milhares de anos-luz.

É de se admirar que essas coisas existam, por mais de uma razão. Veja só: na impossibilidade de que construamos telescópios com o tamanho de uma galáxia inteira, o Universo trata de oferecer ele mesmo os instrumentos.

E depois dessa ainda tem quem diga que o cosmos não está aí para que revelemos os seus segredos.
Salvador Nogueira, 27, é jornalista de ciência da Folha de S.Paulo e autor de "Rumo ao Infinito: Passado e Futuro da Aventura Humana na Conquista do Espaço". Escreve às quintas para a Folha Online.

E-mail: salvadornogueira@uol.com.br

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