Pensata

Salvador Nogueira

29/12/2005

Top Ten do Mensageiro Sideral, 2005

Nada como aproveitar a última semana do ano para dar uma olhada no que aconteceu de mais interessante em 2005 na fronteira além do pálido ponto azul. Em vez de fazer uma retrospectiva convencional, decidi pelo formato de um "Top Ten", como dizem os gringos. Então, com vocês, em ordem crescente de importância, os dez grandes destaques espaciais do ano, na opinião deste que vos escreve.

10 - Jaspion na terra do Pequeno Príncipe

Jaxa
Imagem obtida pela Hayabusa do asteróide Itokawa
Imagem obtida pela Hayabusa do asteróide Itokawa
Tudo bem, a essa altura podemos dizer que a missão provavelmente vai fracassar em seus objetivos mais ambiciosos, e os japoneses parecem mais uma vez ter perdido o controle sobre uma sonda no meio da viagem pelo espaço, mas quem não vibrou com a Hayabusa, a espaçonave que visitou o diminuto asteróide Itokawa? Embora o veículo tenha provavelmente falhado em sua tentativa de coletar amostras da superfície, ele se tornou o primeiro artefato humano a pousar num asteróide e então decolar dele --duas vezes, em novembro. Além disso, a missão obteve uma série de imagens impressionantes do pedregulho espacial de cerca de 500 metros de diâmetro. A Hayabusa também testou com sucesso um motor iônico e trouxe resultados que darão trabalho aos cientistas pelos próximos anos. Por tudo isso, embora não tenha tido um aproveitamento de 100%, ela merece destaque entre as dez mais do ano de 2005.

9 - E os astrônomos disseram, faça-se a luz!

ESO
Imagem de planeta extra-solar (marrom) ao redor de estrela
Imagem de planeta extra-solar (marrom) ao redor de estrela
Neste ano de 2005, pela primeira vez os cientistas conseguiram observar diretamente a luz vinda de um planeta fora do Sistema Solar. É muito difícil fazer esse tipo de observação pelo fato de a estrela ao redor do qual o planeta está girando ser muito mais brilhante que ele, ofuscando objetos próximos. Mas em março, dois grupos independentes, um da Nasa e outro do Centro Harvard-Smithsonian para Astrofísica, anunciaram que conseguiram, com o uso do Telescópio Espacial Spitzer, filtrar a luz, de forma a "subtrair" a contribuição vinda da estrela, restando apenas a parcela mínima relativa a um planeta ao seu redor. Poucos dias depois, no início de abril, um grupo da Universidade de Jena, na Alemanha, usando o ESO (Observatório Europeu do Sul), no Chile, deu um passo adiante, e conseguiu fotografar um possível planeta extra-solar, sem nem mesmo recorrer à estratégia da filtragem da luz. Para completar, no fim de abril um outro grupo franco-americano ligado ao ESO anunciou que um objeto observado em 2004 de fato era um planeta extra-solar. Esses três resultados espetaculares, tão próximos uns dos outros, tornam difícil estabelecer a primazia. De toda forma, o mais importante é que este ano passará à história como o momento em que se tornou tecnicamente possível observar diretamente planetas ao redor de outras estrelas, que não o Sol.

8 - Avante, taikonautas!

CNSA/Xinhua
Tripulantes da Shenzhou-6 no início de sua missão espacial
Tripulantes da Shenzhou-6 no início de sua missão espacial
Em 11 de outubro, os chineses mostraram que definitivamente seu programa espacial tripulado é para valer. Pela segunda vez lançaram gente ao espaço - e desta vez dois yuhangyuans (palavra usada por lá para designar os viajantes espaciais, também apelidados de taikonautas pela imprensa ocidental). A Shenzhou-6 passou cinco dias numa órbita terrestre baixa, com Nie Haisheng e Fei Junlong a bordo, e a missão transcorreu com absoluto sucesso. A viagem bem-sucedida é um dos marcos de 2005. A partir dela, está mais do que traçado o caminho para que a China, além de se consolidar como terceira nação capaz de enviar homens ao espaço (atrás apenas de Rússia e Estados Unidos), também avance na direção de realizar o sonho da "estação espacial própria" - um que até hoje apenas os russos atingiram em sua plenitude.

7 - "Busão espacial": Depois da tempestade, vem mais tempestade

Nasa
Ônibus espacial Discovery é fotografado pela ISS
Ônibus espacial Discovery é fotografado pela ISS
Em 26 de julho, após quase três anos de interrupções, os ônibus espaciais americanos voltam a voar, com a eletrizante viagem de duas semanas do Discovery à ISS (Estação Espacial Internacional). Comandada pela americana Eileen Collins, a missão é um sucesso, reabastecendo o complexo orbital, testando formas de consertar as naves americanas em caso de danos durante o lançamento e até mesmo realizando reparos em órbita. O esforço demonstra que os ônibus espaciais da Nasa estão mais eficientes (e caros) do que nunca. Mas também que eles ainda estão longe de oferecer a segurança que o contribuinte americano gostaria de ver numa máquina tão dispendiosa e sofisticada. Pedaços de espuma sólida voltaram a cair do tanque externo durante a decolagem e por pouco não reprisaram o episódio que levou à destruição do Columbia e sua tripulação de sete, em 2003. A agência espacial americana agora luta para aperfeiçoar ainda mais a segurança, com a esperança de voltar a lançar o mesmo Discovery em meados do ano que vem.

6 - Plutão: Um é pouco, dois é bom, quatro é um montão

STScI
Telescópio Hubble vê mais duas luas ao redor de Plutão
Telescópio Hubble vê mais duas luas ao redor de Plutão
Em novembro, cientistas americanos usando o Telescópio Espacial Hubble anunciaram a descoberta de duas novas luas ao redor de Plutão, oficialmente o nono planeta do Sistema Solar. Até então só se conhecia um satélite natural plutoniano, Caronte, descoberto em 1978. Além de apimentar a velha e acalorada discussão sobre o status de Plutão (planeta ou simples membro de um cinturão de objetos além da órbita de Netuno?), o achado traz um sabor especial ao lançamento da sonda New Horizons, marcada para janeiro de 2006. Caso tudo corra bem, a espaçonave americana deve ser a primeira a visitar aquele mundo distante e suas luas. Mas não prenda a respiração - ela deve levar uma década para chegar lá.

5 - Xena e Gabrielle estragam os livros escolares

R. Hurt/IPAC
Concepção artística do "décimo planeta" e sua lua
Concepção artística do "décimo planeta" e sua lua
Em julho, o astrônomo americano Michael Brown, do Caltech (Instituto de Tecnologia da Califórnia), faz um anúncio bombástico: ele diz ter descoberto o décimo planeta do Sistema Solar. Num mundo em que até a classificação de Plutão é colocada em discussão, esse tipo de declaração é no mínimo controversa. Mas ele tem bons argumentos: o objeto que ele descobriu está além de Plutão, é maior que ele e está em órbita ao redor do Sol. Mais: em outubro Mike e seu grupo confirmaram que o novo objeto, ora catalogado como 2003 UB313, tem uma lua. Enquanto a IAU (União Astronômica Internacional) decide o que fazer desses objetos (como classificá-los, que nome dá-los etc.), seus descobridores os chamam afetuosamente de Xena e Gabrielle, numa referência à série de TV estrelada por Lucy Lawless. Independentemente das decisões da IAU, a descoberta certamente é mais memorável que o seriado.

4 - Fúria nos confins do Universo

ESO
Imagem do que seria a explosão mais antiga do Universo
Imagem do que seria a explosão mais antiga do Universo
Um disparo violento foi detectado no dia 4 de setembro pelo satélite Swift, da Nasa. Dezenas de observatórios em terra foram alertados, e o primeiro a confirmar o sinal e analisá-lo adequadamente foi o Soar, observatório com forte participação brasileira construído no Chile. Descobriu-se então que aquela rajada altamente energética --um chamado disparo de raios gama (GRB, na sigla inglesa)-- vinha de uma distância de aproximadamente 12,8 bilhões de anos-luz. Isso significava, por tabela, que se tratava de uma explosão ocorrida há 12,8 bilhões de anos. Era a mais antiga já observada, abrindo caminho para uma nova forma de estudar os primeiros tempos após o surgimento do Universo.

3 - Terra de ninguém

NSF
Concepção artística de planeta extra-solar "terrestre"
Concepção artística de planeta extra-solar "terrestre"
O maior avanço qualitativo no estudo de planetas fora do Sistema Solar veio mais uma vez da mais prestigiosa dupla de caçadores desses objetos, os americanos Paul Butler e Geoff Marcy. Em junho deste ano, eles anunciaram a descoberta, pela primeira vez, de um planeta similar à Terra, ou seja, com um solo rochoso, ao redor de outra estrela, que não o Sol. Até então, os mais de 150 planetas extra-solares descobertos eram todos gigantes gasosos, a maioria do mesmo porte que Júpiter ou Saturno. Mas o objeto encontrado pela dupla ao redor de Gliese 876, uma anã vermelha a 15 anos-luz daqui, tem apenas cerca de 24 mil quilômetros de diâmetro (o dobro do da Terra) e, portanto, só pode ser um planeta rochoso. Sua detecção foi feita indiretamente, ou seja, pela medição do efeito gravitacional que ele causa em sua estrela-mãe, o que exigiu grande precisão por parte dos pesquisadores para encontrá-lo. Embora inabitável (muito próximo à estrela, o objeto tem uma temperatura superficial de 200 a 400 graus Celsius), espera-se que ele seja apenas o primeiro de uma leva de planetas cada vez menores, até que encontremos os legítimos gêmeos da Terra. O melhor ainda está por vir.

2 - O dia da trombada com o cometa

Nasa
Imagem da colisão de um projétil com o cometa Tempel 1
Imagem da colisão de um projétil com o cometa Tempel 1
Os americanos aproveitaram as comemorações de 4 de julho (dia da independência dos Estados Unidos) para conduzir um choque de proporções astronômicas. Foi quando o projétil disparado pela sonda Deep Impact atingiu o cometa Tempel 1, concluindo sua missão e abrindo uma cratera do tamanho de um campo de futebol no pequeno astro. O clarão do impacto foi visível até mesmo com telescópios em terra, mas as melhores imagens vieram da própria espaçonave responsável pela façanha. Além de demonstrar de maneira eloqüente o poder das colisões espaciais (relembrando a catástrofe natural do choque do cometa Shoemaker-Levy 9 contra Júpiter em 1994), a missão obteve dados preciosos sobre a composição e a natureza dos cometas --restos da formação dos planetas do Sistema Solar e potenciais assassinos em massa, no caso de uma colisão com a Terra.

1 - Huygens em Titã, Cassini em Saturno

ESA
Imagem obtida pela Huygens da superfície da lua Titã
Imagem obtida pela Huygens da superfície da lua Titã
Difícil encontrar algo mais espetacular do que os resultados das sondas Cassini e Huygens, enviadas a Saturno. Ambas chegaram ao sexto planeta do Sistema Solar no ano passado, mas seus resultados mais impressionantes sem dúvida alguma vieram em 2005. A começar por janeiro, quando a Huygens, construída pela ESA (Agência Espacial Européia), após se desprender da Cassini, mergulhou na atmosfera de Titã, a maior das luas de Saturno. Além de revelar dados impressionantes sobre o ar daquele mundo, tão parecido com a Terra infante, ela conseguiu concluir a jornada e pousar suavemente sobre o solo, tornando-se o primeiro artefato humano a descer à superfície de uma lua que não a terrestre. Foi o pouso mais distante já realizado por uma máquina construída pelos primatas do terceiro planeta. Não é pouca coisa. E foi só o começo: em órbita ao redor de Saturno, a Cassini, construída pela Nasa, prosseguiu em sua missão, complementando as informações da Huygens sobre Titã e coletando uma série de dados reveladores e inéditos sobre o segundo maior planeta do Sistema Solar, suas luas e seus anéis. Encelado, Dione, Tétis, Hipérion, Mimas, Réa... são vários os satélites naturais saturninos que receberam a graça de um sobrevôo rápido da Cassini neste ano. Há três dias, por exemplo, a sonda realizava mais um sobre Titã, desta vez passando exatamente pela mesma região que havia sido estudada pela sonda Voyager-2, em 1980. Os cientistas apostam que haverá muito interesse numa comparação entre as visões de então e de agora. Vale lembrar também que a Cassini ainda tem pelo menos mais dois anos e meio de missão naquelas imediações. Bom para nós, pois o show tem de continuar.

Feliz 2006 a todos.
Salvador Nogueira, 27, é jornalista de ciência da Folha de S.Paulo e autor de "Rumo ao Infinito: Passado e Futuro da Aventura Humana na Conquista do Espaço". Escreve às quintas para a Folha Online.

E-mail: salvadornogueira@uol.com.br

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