Pensata

Salvador Nogueira

23/02/2006

Vida alienígena e a medida do desconhecido

A busca por vida e inteligência extraterrestres é provavelmente o maior desafio já apresentado à espécie humana. Temos um desejo muito forte de saber qual é o grau de nossa orfandade na imensidão do cosmos. Reflexões filosóficas dessa natureza permearam todas as civilizações e épocas, com graus variados de perspicácia. Mas, pelo menos desde o século 17, a ciência tem sido a melhor aposta para buscar a resposta.

Essas foram as boas notícias. Agora as más. A ciência, para progredir, precisa de dados, sobre os quais alicerçar e com os quais confrontar suas hipóteses. Sem um pé em experimentos e observações, não tem teoria que se sustente. A astrobiologia --conceito amplo que descreve a tentativa de entender como a vida prolifera no Universo-- carece desesperadamente de informações.

Começa que só conhecemos um tipo de vida --a terrestre. Cá para nós, num Universo de, por baixo, vários trilhões de bilhões de planetas, um é pouco. Estatisticamente insignificante. Será que existem outras formas de vida, diferentes da terrestres, ou seja, suportadas por outras fundações de cunho biológico? Sei lá. E sabem lá os cientistas. Eles adorariam saber, na verdade.

Peter Ward, o paleontólogo americano convertido em astrobiólogo, co-autor do best-seller "Rare Earth" ("Sós no Universo?", na versão brasileira), acha que devemos procurar formas de vida "alienígenas" aqui mesmo, na Terra, em busca dessas respostas. Em seu último livro, "Life as We Do Not Know It" ("Vida como nós não a conhecemos", numa tradução livre), recém-lançado nos EUA, ele sugere que formas de vida que não sejam aparentadas conosco (ou seja, usem o DNA como molécula para abrigar os genes e descendam de um ancestral comum) possam existir por aqui. Só não as encontramos ainda, segundo Ward, porque nossas ferramentas de análise são "permeáveis" a elas, ou seja, não conseguem detectá-las.

Isso pode até não ser verdade, mas é uma amostra do tamanho do nosso desconhecimento. Como procurar vida lá fora se nem sabemos quais são as formas que ela pode assumir (e portanto os ambientes que elas podem ocupar)?

Uma aposta segura é procurar ambientes similares aos da Terra. Podemos perder muito nessa filtragem, mas certamente estaremos calibrando bem nossa aposta, com base no único exemplo de vida que conhecemos. Foi o que fez Margaret Turnbull, astrônoma da Instituição Carnegie de Washington, na última reunião da AAAS (Associação Americana para o Avanço da Ciência), em Saint Louis, Estados Unidos.

É um estudo cinco estrelas. Turnbull elegeu cinco estrelas como as melhores candidatas a abrigar mundos habitáveis, com potenciais civilizações tecnológicas, e outras cinco que mais possivelmente pudessem abrigar planetas como a Terra. (Para mais detalhes sobre os esforços da astrônoma americana e das reações da comunidade de busca por alienígenas, recomendo a boa reportagem do meu amigo Reinaldo José Lopes, publicada pela Folha.)

As duas listas tomam por base tudo que conhecemos atualmente sobre planetas fora do Sistema Solar, uma lista que já conta com cerca de 160 membros, a imensa maioria gigantes gasosos como Júpiter ou Saturno. O surpreendente é que, mesmo com toda essa adição de informação, a lista é cheia de velhas conhecidas --mais uma medida de quanto nós não sabemos, na verdade.

Por exemplo, entre as cinco candidatas a abrigar Terras, temos Epsilon Eridani e Tau Ceti. Essas duas estrelas foram as eleitas pelo astrônomo Frank Drake, no longínquo 1960, para as primeiras sessões de rádio-escuta em busca de sinais de civilizações alíenigenas, no famoso Projeto Ozma - primeiro esforço dessa natureza. Desnecessário dizer que nada foi encontrado (ou certamente você já teria ouvido falar disso).

Não bastasse isso, Turnbull faz escolhas suspeitas, do ponto de vista do nosso (parco) entendimento da evolução dos sistemas planetários. Entre a lista de candidatas a abrigar não só uma Terra habitável, mas uma civilização inteira, está a estrela 51 Pegasi, celebrizada por ter sido a primeira a "ganhar" um planeta dos astrônomos, em 1995.

Esse planeta, um gigante gasoso maior que Júpiter, gira colado à estrela, completando um ano inteiro em coisa de quatro dias. A essa proximidade, ele não atrapalharia a existência de Terras, localizadas a distâncias bem maiores. Esse é o raciocínio de Turnbull, mas traz um problema embutido: hoje os cientistas não sabem explicar como um planeta gigante gasoso foi parar tão perto de sua estrela.

Os modelos de formação de planetas ora vigentes só funcionam quando os gigantes gasosos se formam longe da estrela. Quando os primeiros planetas colados foram descobertos, surgiu um grande ponto de interrogação na cabeça dos cientistas. Hoje, a explicação mais provável é a de que eles tenham nascido longe, como sugerem os modelos, e depois migrado para perto de suas estrelas. Ocorre que, um monstrengo desses, transitando por um sistema solar, destruiria todos os planetas --todas as Terras-- que estivessem no caminho. Hmm, se isso estiver certo, 51 Pegasi não é um lugar tão legal assim.

Neste caso, Turnbull aposta no desconhecimento! Ela acredita que no futuro descobriremos que esses planetas gigantes gasosos já nasceram colados às suas estrelas, por mecanismos hoje indecifráveis.

Moral da história: como a famosa equação de Drake, que "calcula" quantas civilizações inteligentes e comunicantes existem na Via Láctea, todo o resto das especulações da astrobiologia não passam de achismos calibrados, muito mais perto das especulações filosóficas pré-método científico do que gostariam de admitir os cientistas.

Claro, com uma diferença. A ciência oferece um meio de prospectar mais dados e aprimorar essas especulações. Explorando nosso próprio Sistema Solar, buscando vida em ambientes inóspitos como Marte, Vênus e Europa, a lua de Júpiter, estaremos na verdade endereçando questões muito mais amplas, que dizem respeito ao potencial do Universo todo para a vida.

Em vez de desencorajar, o desconhecido motiva: vale a pena procurar as respostas e acreditar que, talvez ainda nesta geração, poderemos ter uma medida real de quão sozinhos ou acompanhados estamos nessa jornada de decifração dos mistérios da imensidão do cosmos.
Salvador Nogueira, 27, é jornalista de ciência da Folha de S.Paulo e autor de "Rumo ao Infinito: Passado e Futuro da Aventura Humana na Conquista do Espaço". Escreve às quintas para a Folha Online.

E-mail: salvadornogueira@uol.com.br

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