Pensata

Salvador Nogueira

16/03/2006

Planetas que não voltam mais

Sinto uma tristeza quase melancólica quando ouço falar da descoberta de planetas fora do Sistema Solar com o método de microlentes gravitacionais. É uma bela ferramenta que a natureza oferece para encontrar mundos distantes, mas ela vem com um preço, talvez alto demais: não há uma segunda chance.

Vamos entender do que estou falando. Microlentes gravitacionais são um presente de Albert Einstein. O velho físico alemão, com sua teoria da relatividade geral, previu que objetos que tenham grande massa são capazes de distorcer o percurso de raios de luz que passam perto deles. Ou seja, se um observador na Terra vir uma estrela passando na frente da outra, a luz da que está atrás será distorcida pela presença da que está na frente.

David A. Aguilar/CfA
Planeta recém-descoberto a 9.000 anos-luz daqui, com uma lua hipotética
Planeta recém-descoberto a 9.000 anos-luz daqui, com uma lua hipotética
Agora, se a estrela que está na frente possuir um planeta ao seu redor, sua presença mudaria o padrão de alterações provocado na luz da estrela que vem de trás --denunciando a presença do mundo distante para os astrônomos que foram suficientemente afortunados para ver o exato momento em que uma estrela passou à frente da outra.

Com as estrelas girando ao redor do centro da Via Láctea em diferentes velocidades e órbitas, esses trânsitos de um astro à frente do outro, do ponto de vista estatístico, são bem comuns. No entanto, eles só acontecem uma vez para cada astro. Ou seja, se você viu, viu; se não viu, não vai ver mais.

Em geral, planetas descobertos por esse método estão distantes demais para que outras técnicas, mais familiares, de detecção possam funcionar --ao menos com as tecnologias atualmente disponíveis. Isso tira dessas observações uma das características básicas da ciência: a possibilidade de reproduzi-las e confirmá-las.

É nesse contexto, por exemplo, que temos de receber a notícia, anunciada no início da semana pelo Centro para Astrofísica da Universidade Harvard, da descoberta de um planeta com cerca de 13 vezes a massa terrestre localizado a uns 9.000 anos-luz de distância (cerca de um terço da distância daqui ao centro da Via Láctea), girando ao redor de uma estrela anã vermelha. Essa "Super-Terra" estaria mais ou menos na mesma distância que, por aqui, está o cinturão de asteróides, a cerca de 400 milhões de quilômetros da estrela-mãe.

Esse achado tem várias implicações muito interessantes. Primeiro, os cientistas conseguiram determinar, com base em sua análise da luz da estrela, que não há nenhum planeta gigante gasoso do tipo Júpiter ao redor daquela estrela. Isso quer dizer, caso as observações deles estejam corretas, que podem existir lá fora sistemas planetários feitos só por objetos rochosos, como Mercúrio, Vênus, Terra e Marte, mas sem gigantes gasosos. Ou seja, lugares como Alfa Centauri, trio de estrelas mais próximo do Sol, que comprovadamente não possuem gigantes gasosos (como Júpiter ou Saturno), voltam ao jogo dos planetas extra-solares, com possíveis membros do tipo terrestre (que, cá para nós, são os nossos favoritos).

A segunda conclusão do grupo americano é a de que essas Super-Terras, planetas rochosos bem maiores que o nosso, devem ser mais comuns no Universo do que os gigantes gasosos, como Júpiter. Ou seja, mais um fator que coloca o Sol e sua família de planetas na categoria dos sistemas planetários "realmente esquisitos".

Tudo seria maravilhoso, não fosse por aquele detalhezinho incômodo: este é um daqueles planetas "que não voltam mais". Ou seja, todas essas previsões precisarão ser confirmadas por meio de outros astros, de forma estatística. Ou seja, um estudo ainda a fazer.

De toda forma, está ficando cada vez mais claro que cada sistema planetário tem a sua própria personalidade, cada um com seus próprios fascínios e estranhezas. Cabe a nós explorar e investigar esse universo de possibilidades.

Por ora, fica só aquela pontinha de tristeza, ao pensar que estamos ouvindo um único sussurro de um mundo distante, que provavelmente jamais voltará a estar ao nosso alcance. Segundo Scott Gaudi, autor da pesquisa, o método de microlentes gravitacionais atualmente já pode até mesmo revelar planetas gêmeos da Terra, em massa e órbita --tudo depende da sorte de os astros se alinharem adequadamente para a observação. Talvez um desses mundos seja habitado por uma civilização, como o nosso. Ainda assim, para nós, ele sempre será um mero vislumbre do que há no resto do cosmos. Nada mais, nada menos. Apenas mais um mensageiro sideral.
Salvador Nogueira, 27, é jornalista de ciência da Folha de S.Paulo e autor de "Rumo ao Infinito: Passado e Futuro da Aventura Humana na Conquista do Espaço". Escreve às quintas para a Folha Online.

E-mail: salvadornogueira@uol.com.br

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