Pensata

Sylvia Colombo

08/09/2006

Rebeldes sem causa

O RBD vem aí. E não se fala de outra coisa no mundo teen. A banda mexicana, que nasceu de uma novela de TV e já vendeu mais de um 1,6 milhão de discos e DVDs por aqui, volta ao Brasil no final deste mês para fazer uma turnê que passará por 13 cidades brasileiras e alimentará o delírio de suas fãs mirins. As apresentações devem ser vistas por cerca de 700 mil pessoas.

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Do passado recente, o Rebelde traz o fantasma da tragédia que ocorreu antes da apresentação do grupo em São Paulo, em fevereiro deste ano, quando três pessoas morreram pisoteadas no estacionamento do shopping Fiesta.

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Banda, que nasceu de uma novela, já vendeu mais de um 1,6 milhão de CDs por aqui
Banda, que nasceu de uma novela, já vendeu mais de um 1,6 milhão de CDs por aqui
Mas o que há por trás do sucesso explosivo desse grupo colorido e alegre, formado por Anahí, Dulce María, Maite Perroni, Alfonso Herrera, Christopher Uckerman e Christian Chavez? Tentei descobrir ouvindo um de seus discos. Encontrei um punhado de canções bem produzidas, formalmente comportadas e que tratam de temas mais ou menos clichê do universo adolescente, namoricos, intriguinhas e pose de revolta. Refrões grudentos e certa histeria feminina. Mas, até aí, nada demais.

Resolvi, então, enfrentar alguns capítulos da novela, exibida no México pela Televisa e aqui pelo SBT, com 11 pontos de audiência. As coisas começaram a ficar mais difíceis. A trama é sofrível. Miguel, um rapaz determinado a vingar a morte do pai, resolve procurar o homem que causou sua ruína e levou-o a cometer suicídio. Matricula-se numa escola de elite, onde estuda a filha dele, para aproximar-se da família. Mas, é claro, acaba se apaixonando por ela e põe em risco seus planos. Nas historinhas paralelas, temos o filho mimado de um político que causa um monte de encrencas, mas tem a barra aliviada pela posição do pai, e um professor que ajuda os rapazes a agir com "ética" e a não pensar nas mulheres apenas como objetos sexuais (sério!). No meio da história e meio de repente, eles formam uma banda, que já surge com uma produção musical digna de uma Madonna ou de um Michael Jackson, mesmo tendo surgido no pátio de uma escola mexicana.

Mas o que mais incomoda é a mensagem excessivamente politicamente correta da novela e o reforço de estereótipos terríveis. Por exemplo, as mulheres são todas chatas e ciumentas, enquanto os rapazes têm jeito fake de canalhas e pose de metrossexual latino. As garotas, de corpos impecáveis, jogam basquete de biquíni (num clima bem "Big Brother"), os beijos são melados e as cenas românticas mais "ardentes" acontecem em "slow motion". Um verdadeiro retrocesso em termos de entretenimento juvenil, em tempos de bons seriados de TV e animações cinematográficas inteligentes.

Se há alguma rebeldia aqui, deve ser a dos produtores... com relação ao bom gosto.




OUTRA DO MÉXICO

Magdalena é uma adolescente mexicana, assim como as da novela "Rebelde". Sua realidade, porém, é bem diferente. Ela é filha de imigrantes que moram em Los Angeles. E, na comunidade latina do subúrbio de Echo Park, comemorar a festa de debutante ("quinceañera") é uma obrigação e motivo de orgulho social. Famílias de poucos recursos fazem o possível e o impossível para pagar o bolo, os enfeites, o vestido da moça e até a limusine.

"Quinceañera", filme norte-americano dirigido pela dupla Richard Glatzer e Wash Westmoreland, conta a história desse ritual deprimente, em que os sonhos enfeitados das meninas alimentam a ilusão dos adultos. A produção ganhou prêmios em Sundance e elogios rasgados da imprensa norte-americana quando estreou por lá (não há previsão de data para o Brasil).

Não se trata exatamente de um bom filme. A precariedade da construção das cenas, fracas atuações e um exagero nas caras de sofrimento dos personagens comprometem a narrativa. Sem contar que se mistura o inglês e o espanhol de um jeito muito artificial e diferente do modo como as duas línguas se mesclam, na realidade, no modo de falar dos latinos que vivem nos EUA.

Acompanhamos a história de Magdalena, que, há poucas semanas de sua própria "quinceañera", descobre estar grávida. Primeiro, é expulsa de casa pelo pai, religioso e intransigente; depois, toma um fora do namorado, forçado pela mãe dele. Resta-lhe abrigar-se na casa de tio Tomás, um senhor que acolhe sob seu teto os desregrados da família. Além dela, também vai morar com ele Carlos, rapaz com cara de machão malvado que é posto para fora do lar por ser gay. Os três acabam constituindo uma família alternativa.

Apesar da fragilidade, a produção é interessante por jogar luz a um problema mexicano que deve ser um dos principais assuntos da agenda do novo presidente do país, o conservador Felipe Calderón. A questão dos imigrantes, vista a partir dessa festa ingênua e tradicional, surge de uma perspectiva original e mais universal do que a principio pode parecer. Difícil não fazer paralelos com quadros que mesclam pobreza social à ignorância, no Brasil e em outros países da América Latina.




CONEXÕES EMOCIONAIS

A música dos anos 00 já tem várias caras. Do art-rock do Franz Ferdinand ao punk-pop do Arctic Monkeys, passando pelos freak guys do Arcade Fire e do Clap Your Hands Say Yeah, há opções para vários gostos. O chamado novo rock é vibrante, o rap continua ganhando público e o mundo dos DJs e da música eletrônica vai se tornando cada vez mais "mainstream".

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Coldplay é uma das bandas dedicados a produzir canções melodiosas e melosas
Coldplay é uma das bandas dedicados a produzir canções melodiosas e melosas
Entretanto, uma das coisas mais intrigantes do momento é o verdadeiro "boom" de cantores ou bandas dedicados a produzir canções ao mesmo tempo melodiosas e melosas. Quer ver? Numa lista rápida, sem distinguir quem é bom de quem é baba: Coldplay, Keane, James Blunt, Robbie Williams, Jack Johnson, David Gray, Damien Rice e Rufus Wainwright. Lembrou de outros? Não duvido.

Na tentativa de explicar o sucesso dessas bandas e desses cantores-compositores, a revista britânica "Q" deste mês levantou hipóteses que vão desde o envelhecimento do público consumidor de pop ao fato de hoje se venderem cada vez mais discos em supermercados. A explicação que mais chama a atenção é a do dr. Michael Lowis, um psicólogo musical (atenção, quem ainda não decidiu que profissão vai seguir!) que acha que a atual sociedade está pulverizada e alienada demais, fazendo com que as pessoas se sintam carentes de "conexões emocionais" e, por isso, se sintam mais tocadas pelo tipo de música que fazem esses artistas.

Acho que tudo isso pode até estar certo, mas que o motivo principal dessa febre é outro e tem a ver com qualidade de produção. Desde as baladinhas dos Beatles nos anos 60 até hoje, é inegável que há uma linha evolutiva e um amadurecimento da forma da canção pop melódica. De um jeito ou de outro, esse povo todo bebe da mesma fonte. Uns a aproveitam bem, outros, nem tanto...
Sylvia Colombo, 35, é repórter da Ilustrada, onde escreve sobre livros, cinema e música. Formada em história pela USP e jornalismo pela PUC-SP, foi editora de Especiais, Folhateen e Folhinha, e correspondente em Londres. Escreve às sextas.

E-mail: scolombo@folhasp.com.br

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