Pensata

Sylvia Colombo

15/09/2006

Seria o fim da "Cool Britannia"?

Tony Blair disse que vai embora. E se a despedida do premiê, que avisou que deixará o cargo nos próximos doze meses, aponta para um porvenir político incerto no Reino Unido, por outro representa uma pá de cal definitiva sobre os restos do que outrora foi uma exuberante agitação cultural, conhecida como "Cool Britannia". Uma pena. Ou não? O termo, que surgiu de um trocadilho com o título da canção patriótica "Rule Britannia", passou a ser usado para designar a "Inglaterra de Blair" depois que a revista "Newsweek" chamou Londres de "coolest capital city on the planet", em 1996. No ano seguinte, os ventos da renovação política e da celebrada Terceira Via sopravam com a volta dos trabalhistas ao poder após 18 anos de oposição (e repaginados sob a alcunha de New Labour). E eles atingiram de forma inspiradora e criativa o pop (que virou britpop), as artes plásticas (britart) e a literatura (britlit, por supuesto).

Divulgação
Austin Powers (Mike Myers)
Austin Powers (Mike Myers)
Musicalmente, o que se escutava era algo passadista, no sentido de que recuperava a vibração roqueira sessentista e colocava num formato mais ameno o punk dos anos 70, mas atualizava a temática e modernizava as sonoridades. Essa verdadeira "movida" inglesa se fazia ver e ouvir pelo trabalho de bandas como Blur, Oasis, Suede, Pulp; pelo trabalho de artistas plásticos como Damien Hirst e pelas trapalhadas do impagável Austin Powers (Mike Myers) no cinema.

O namoro do premiê com a cultura pop inglesa ---e, por extensão, com a juventude--- foi longo e começou antes mesmo de ele ser eleito. Em 1994, ele declarou: "O rock não é apenas uma parte importante de nossa cultura, é uma parte importante do nosso modo de viver". Daí a ficar "amigo" dos caras do Blur e do Oasis foi um tiro. Essas histórias estão contadas em "Britpop!", do jornalista inglês John Harris, bom livro sobre esse momento político-cultural.

Passados alguns anos de governo, entretanto, o cenário foi se modificando. E o apoio da população, principalmente da população jovem, ao até então sorridente premiê foi se diluindo. Primeiro por causa do apoio de Blair à Guerra do Iraque e à política internacional do presidente norte-americano George W. Bush. Depois, por causa dos atentados em Londres, em julho de 2005, que foram interpretados como uma derrota das ações anglo-americanas contra o Terror. E agora, mais recentemente, por conta da posição britânica durante o conflito entre Israel e Líbano. O desgaste nítido de popularidade acabou por provocar a crise política que está no pano de fundo de sua iniciativa de se afastar do cargo.

O ponto é que, se hoje lemos os nomes de artistas que fizeram a "Cool Britannia", imediatamente pensamos numa cultura datada. Num negócio que já não dialoga mais com o nosso tempo. Curiosamente, talvez Blair seja o último desses "artistas" a deixar de ser protagonista em sua área e, aos poucos, ir saindo de cena.

Resta saber como será a relação do circunspecto atual secretário de Finanças, Gordon Brown, provável substituto de Blair, com a alegria quase infantil das bandas do novo rock britânico. Seria o começo da "Coolest Britannia"?




O FRANZ E A POSTERIDADE

Qual é a banda dos anos 80 que vai ficar? U2? Smiths?

E a dos 90? Nirvana? Oasis? Red Hot? Green Day?

Atenção, não estou falando da mais influente, da que possui mais qualidades musicais ou daquelas que eu ou você mais admiramos. Me refiro às que, simplesmente, foram mais importantes porque ganharam volume e cativaram um público sólido e fiel por muitos e muitos anos.

Divulgação
Banda Franz Ferdinand se apresenta no sábado em São Paulo, dentro do Motomix
Banda Franz Ferdinand se apresenta no sábado em São Paulo, dentro do Motomix
Se, com relação às décadas passadas, os nomes são muitos, o mesmo não se pode dizer desses anos 00. Cada vez de forma mais atordoante, bandas estouram do dia para a noite e são sucesso antes até de terem um disco lançado ---sim, porque parte de seu encanto vem do hype pela internet. Só que, na maioria das vezes, esses grupos mal se agüentam nas pernas do primeiro para o segundo disco. Os shows começam a esvaziar e aqueles que, até ontem, compunham sua verdadeira legião de fanáticos instantâneos já estão mudando de faixa e caindo de amores arrebatadores por uma outra banda que acabou de estourar no "boca a boca" da web.

Num cenário assim cruel, qualquer projeto que dure, vá lá, uns dois anos pode ser considerado bem sucedido. E, com a primeira década do século 21 já indo pela metade, não é fácil ver um êxito duradouro entre os que despontaram nos últimos anos.

Não é o caso do Franz Ferdinand, banda que se apresenta no sábado em São Paulo, dentro do festival Motomix. O grupo indie escocês, quem diria, hoje é o que há de "mainstream" e se consolida no que de mais duradouro parece ter produzido essa década. Pelo menos até aqui.

Por quê? Bom, o Franz lançou dois discos, ambos sucesso de crítica e vendas. Suas músicas são acessíveis e o público, variado, tanto no que diz respeito a afinidades como com relação à faixa etária. Alex Kapranos e sua turma conquistaram os EUA muito cedo, e por isso não precisaram se apoiar por muito tempo apenas nos meios de divulgação britânicos. Mais, passaram a fazer concertos para um público cada vez maior. Desses, aqueles que abriram para o U2 em fevereiro, no estádio do Morumbi, para mais de 70 mil pessoas, certamente estão entre os mais importantes.

Mas será que isso é bom ou ruim para a história do rock? Por um lado, é claro que o sucesso do Franz é positivo. Trata-se de uma banda bacana, que apostou numa mistura de punk e dance original, criativa, cativante. Suas canções são hits sem serem apelativas. Inteligentes, mas não pedantes. Atuais sem cair na banalidade.

Por outro lado, tenho minhas dúvidas. Afinal, roqueiros comportados, que andam bem vestidinhos, de cabelo alinhado e que, além de tudo, se preocupam se as garotas estão se divertindo e dançando enquanto eles tocam, não podem deixar de ser um desenlace triste para a tradição de contestação e rebeldia que orienta o mundo da música jovem há tantas décadas.

Pense bem, o que será que Kurt Cobain, aquele que gritava até rasgar os pulmões e quebrava instrumentos no palco bem ao estilo The Who, diria ao aristocrático e quase feminino Kapranos? Faça suas apostas!
Sylvia Colombo, 35, é repórter da Ilustrada, onde escreve sobre livros, cinema e música. Formada em história pela USP e jornalismo pela PUC-SP, foi editora de Especiais, Folhateen e Folhinha, e correspondente em Londres. Escreve às sextas.

E-mail: scolombo@folhasp.com.br

Leia as colunas anteriores

//-->

FolhaShop

Digite produto
ou marca