Pensata

Sylvia Colombo

06/10/2006

Na Rua Treze

Existe um novo gênero musical tomando conta dos ouvidos latino-americanos. Como no Brasil as modas e manias do resto do continente só reverberam parcialmente e com bastante atraso, pouco sabemos do reggaetón e só conhecemos sua versão mais comercial, por meio de artistas como Daddy Yankee (autor do hit das pistas de casas noturnas de gosto duvidoso, "Gasolina").

Mas o reggaetón, com sua mistura de reggae e hip hop, tem uma vertente mais sofisticada e original. A banda mais legal desse cenário chama-se Calle 13 (www.lacalle13.com) e vem de Porto Rico. Ainda não saiu nada deles aqui no Brasil (sabe-se lá se ainda vai sair, atenção gravadoras!). Entretanto, você pode ouvir algo no Myspace.com ou assistir a alguns vídeos no Youtube.com (recomendo "Atrevetete", www.youtube.com/watch?v=JLHuDDdo-90).

O duo surgiu no mundo pop em 2005. Formado por dois meio-irmãos, Residente (René Pérez) e Visitante (Eduardo Cabra), ganhou esse nome como homenagem à rua em que cresceram, em Trujillo Alto, cidade ao norte da ilha. O primeiro disco (homônimo) estourou em Porto Rico ainda no ano passado, e o sucesso internacional veio neste ano, quando a dupla penetrou na comunidade latina dos EUA, conquistando não só os latinos, mas o mercado norte-americano em geral.

O que fazem é uma mistura de reggae e funk com estilos tradicionais, como a cumbia e a salsa, e novos, como a eletrônica. Ambos estudantes de arte e amantes do dadaísmo, encontraram um jeito original de juntar a linguagem de rua ("callejera") com letras cheias de ironia. Tanto os videoclipes como a capa do disco foram feitos por eles mesmos e são bem humorados, coloridos e originais. Em "Atrevete-te", um entregador de jornais atravessa uma rua onde várias mulheres estão perfiladas de costas e dançando de um jeito bem vulgar e escrachado, e tenta convencê-las a deixarem de escutar Coldplay e Greenday para dar bola a eles.

As letras, sobre sexo, política ou hábitos culturais, são em espanhol e geralmente se desenrolam num pequeno monólogo ou um diálogo com interlocutores imaginários. Diferentemente da maioria das manifestações que Porto Rico exporta para os EUA, a música do Calle 13 não trata do repetitivo drama dos imigrantes, senão para fazer sátira. Fica a dica, não perca esse endereço.

OUTRA DA AL

Já que o assunto da semana é música latino-americana, não queria deixar de recomendar o novo disco do uruguaio Jorge Drexler, que acaba de ser lançado por aqui.

Entrevistei o cantor e compositor semana passada (a matéria saiu na terça-feira, na capa da Ilustrada). "12 Segundos de Oscuridad" marca uma nova fase, introspectiva, na carreira do uruguaio que, no ano passado, ganhou o Oscar de melhor música com "Al Otro Lado del Rio", da trilha sonora de "Diários de Motocicleta" (Walter Salles). Faixas imperdíveis: "Hermana Duda", melancolia tangueira em forma de balada pop, e "12 Segundos de Oscuridad", mais recente hino da "estética do frio", "gênero" propagado pelo gaúcho Vítor Ramil e que estabelece um diálogo entre a música do Sul do Brasil com a do rio da Prata.

TANGOS DE ROUPA NOVA

Estilo pouco mutante em sua estrutura, mas aberto a inovações na roupagem, o tango argentino não cansa de renascer periodicamente, como se pôde ouvir na ruptura que Astor Piazzola (1921-1992) causou com relação ao tango-canção. Nos dias de hoje, o tango eletrônico é a bola da vez, com os trabalhos de grupos como o Gotan Project, do Bajofondo Tango Club e do Tanghetto. Não vou voltar ao assunto porque já tratei desse tema em uma coluna lá pra trás. Mas queria, de todo jeito, recomendar um lançamento (e no mercado brasileiro!) de um disco de tango diferente. Trata-se de "Tinta Roja", do roqueiro das antigas da música argentina Andrés Calamaro (das bandas Los Abuelos de la Nada e Los Rodrigues). O álbum traz 10 clássicos do gênero (incluindo "Mano a Mano", "Por una Cabeza", "Melodia de Arrabal" e "El Dia que Me Quieras"), interpretados de forma acústica, seca, e dando ênfase para as raízes afro do gênero e para o parentesco deste com o flamenco espanhol.

Para quem gosta de tango, uma oportunidade de ouvi-lo de um modo diferente. Para quem conhece pouco, uma chance de ser introduzido a algumas de suas canções mais famosas --o libreto, inclusive, é didático e traz as letras trágicas e nostálgicas que marcaram sua época.

Especial
  • Erramos: Na Rua Treze
    Sylvia Colombo, 35, é repórter da Ilustrada, onde escreve sobre livros, cinema e música. Formada em história pela USP e jornalismo pela PUC-SP, foi editora de Especiais, Folhateen e Folhinha, e correspondente em Londres. Escreve às sextas.

    E-mail: scolombo@folhasp.com.br

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