Pensata

Sylvia Colombo

07/07/2006

Shakira, ame ou odeie

Vibrou com a Itália, vai torcer por nossos algozes ou ainda está de ressaca pela decepção com a seleção brasileira? Não importa de que lado você está. Domingo vai ser dia de Shakira. Como é? Isso mesmo que você está lendo. Domingo é dia de final de Copa do Mundo... e de Shakira. Dez minutos antes de começar a partida entre Itália e França, a cantora pop colombiana vai subir ao palco do estádio Olímpico de Berlim e cantar "Hips Don't Lie" em um evento transmitido para dezenas de países. "Hips" é uma parceria de Shakira com Wyclef Jean, aquele mesmo dos Fugees, e já virou hit milionário que passou pelo topo da Billboard e é um dos atuais campeões de downloads na internet.

"Não tenho nem idéia do que é um pênalti, mas vou aprender". As frases de Shakira são ótimas, parecem (parecem?) feitas para chamar a atenção e ganhar manchetes de jornais.

"Até o Império Romano teve sua derrocada", disse em entrevista recente ao jornal espanhol "El País", referindo-se ao fato de já estar conformada, aos 29 anos, de que um dia seu "reinado" (expressão dela mesma) irá terminar.

Shakira vendeu 26 milhões de discos. Lota estádios na Europa, nos EUA e na América Latina. Não seria exagero dizer que talvez compita com o narcotráfico quando se discute, pelo mundo, os grandes temas atuais da Colômbia.

16.jun.2006-Miguel Vidal/Reuters
Shakira durante show da "Oral Fixation Wold Tour 2006"
Shakira durante show da "Oral Fixation Wold Tour 2006"
A questão é, por que tantas pessoas amam Shakira, se o que há de artificial nela é tão latente?

1 ) Porque ela é atraente e sexy (até aí é fácil...)

2 ) Porque suas músicas são mais do que fáceis de escutar, gostar e cantarolar

3 ) Porque ela transmite um ar de exotismo com a mistura latino-árabe que compõe seu personagem

Os críticos baba-ovo (e o mítico Jon Pareles, do "New York Times" não é exceção) me contestariam, dizendo que Shakira é autêntica porque compõe, canta e produz sozinha sua própria música. OK, é verdade, então talvez o mais exato seja dizer que ela é sim um produto feito para vender, mas feito por ela mesma, o que não muda muita coisa, pelo menos por esse lado. Mas vamos tentar entendê-la dentro de seu contexto. Em primeiro lugar, Shakira só pôde estourar porque tomou carona no crescimento do mercado para latino-americanos e seus descendentes dentro dos EUA. Antes dela, já haviam provocado tremores Gloria Estefan, Luis Miguel, Ricky Martin e uns outros tantos. Depois, por uma especificidade de nossos tempos-globalizados-pró-diversidade-politicamente-correta, curtir uma garota que veio de um dos países mais violentos da América Latina e que ajuda as crianças pobres que nele nascem, com uma fundação chamada Piés Descalzos é, sem dúvida, algo "cool" e super-do-bem.

Bom, a essa altura você deve achar que eu não gosto dela. Errou feio, tenho todos os seus discos. E, se me espanto com a máquina de sucessos onde ela está metida, é só por achar contraditório que todo esse aparato mercadológico acolha uma música pop de tanta qualidade. Shakira é eclética e manipula gêneros com habilidade, do rock ao flamenco, do tango ao reggaetón, num repertório que já virou uma espécie de esperanto dos imigrantes latinos pelo mundo. Não é pouca coisa.

Ícone anti-capitalista modelada no coração da América. Brega e sexy, vulgar e atrevida, Shakira é um verdadeiro "embrujo", um enigma e, se uma vez você escutou algum de seus sucessos, certamente levou alguns dias para tirá-lo de sua cabeça...




MÚSICAS QUE NÃO SAEM DA CABEÇA

Na semana passada, pedi que os leitores me contassem que músicas não andam conseguindo tirar da cabeça. Por total inexperiência de colunista de internet, estou lenta como na época do telefone discado (aquele preto e de fio encaracolado) e ainda não respondi a todos, mas farei isso logo. O fato é que, como esperava, recebi as mais diferentes mensagens. De gente mencionando músicas esquecidas a hits que estão bombando no rádio. A enquete, na verdade, era uma provocação para um assunto do qual queria tratar hoje. Desculpem discordar um pouco de vocês, mas aposto que essas músicas das quais vocês gostam e cujas listas me mandaram não são as que "realmente" não saem das suas cabeças. Pois estou falando daquelas que a gente não lembra onde ouviu, mas, de repente, está cantarolando no trânsito, no trabalho, de bobeira na frente do computador, e logo "passando" para alguém que vai te dizer: "Ai, você fica cantando isso e agora não vou tirar da cabeça".

Pode não parecer um assunto sério, mas para o professor James Kellaris, da Universidade de Cincinnatti, nos EUA, trata-se de um fenômeno que merece atenção. Seu estudo, divulgado pelo diário britânico "The Guardian", "Dissecting Earworms - Further Evidence on the Song-Stuck-in-your-Head-Phenomenon" define a coisa toda como uma espécie de coceira, que pode chegar a ficar horas em seu cérebro, sem que você se dê conta o tempo todo. A idéia é que a parte da sua mente que está ativa quando você está realmente ouvindo uma música volta a ser ativada quando você, mesmo acidentalmente, imagina estar ouvindo a tal música. O contexto da ocasião em que a dita cuja foi escutada pode definir se ela vai se tornar um "earworm" ou não, e geralmente tem a ver com um momento em que o seu cérebro está "desguardado", como a hora em que você acorda, um momento qualquer de estresse ou na hora de dormir.

Se não serve para muita coisa, pelo menos o estudo nos oferece uma resposta científica para dar sempre que alguém nos pegar no pulo cantarolando um troço bizarro.




24.jun.2006-Leon Neal/Reuters
James Blunt no palco principal do "O2 Wireless Festival" em Londres
James Blunt no palco principal do "O2 Wireless Festival" em Londres
POBRE BLUNT

E uma verdadeira epidemia do tal "earworm" parece ter acometido os ouvintes de uma rádio inglesa, a Essex FM, que suspendeu as canções do artista folk-pop James Blunt. Os ouvintes diziam não agüentar mais as melosas "You're Beautiful' e 'Goodbye My Lover" (que, dizem os tablóides, também virou música-tema de funerais). Um passeio por blogs de música e comunidades do Orkut mostra que a fama negativa do pobre Blunt só aumenta. E olhe que o moço de olhar triste é um sucesso. Além de ter sido o primeiro britânico a atingir o topo da parada Billboard em anos, teve sua "You're Beautiful" (ela mesma) ocupando o primeiro lugar em 25 países, enquanto o álbum que a contém, "Back to Bedlam", vendeu mais de sete milhões de cópias pelo globo.

Shakira, Blunt e as músicas que dão "coceira" no cérebro. Estranho mundo pop. Não sei você, mas eu vou torcer para que o show de Shakira seja mais empolgante que a final Itália x França. E espero ansiosamente o próximo álbum de James Blunt, ainda que nenhuma rádio queira tocá-lo...




FALANDO EM COPA

Já que comecei falando de Copa, não queria deixar essa passar, apesar de o assunto já estar morrendo. Preconceituosa e infeliz a propaganda que uma empresa de cartões de crédito publicou na revista de maior circulação do país semana passada, comemorando a eliminação da Argentina do Mundial, pela Alemanha. Dizia o anúncio: "Ter duas alegrias no futebol: Não tem preço". E, na seqüência, figurinhas ironizando os nomes dos jogadores argentinos: "Tristelme", "Canfiasco", "Mascherruim", "Fernán Fresco" e por aí vai. Além do mau gosto da propaganda em si, o péssimo "timing": a revista foi às bancas no sábado passado, dia em que o Brasil, veja só, também foi eliminado. E daquele jeito...
Sylvia Colombo, 35, é repórter da Ilustrada, onde escreve sobre livros, cinema e música. Formada em história pela USP e jornalismo pela PUC-SP, foi editora de Especiais, Folhateen e Folhinha, e correspondente em Londres. Escreve às sextas.

E-mail: scolombo@folhasp.com.br

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