Pensata

Sylvia Colombo

26/01/2007

Revolução mexicana

Filmes recentes dirigidos por cineastas mexicanos estão dialogando com a globalização como poucas cinematografias recentes o fizeram. Sem vitimizar ou demonizar ninguém exclusivamente, verbalizando medos e desesperanças, mostrando as novas cores da violência e explorando alternativas de comunicação sem, com isso, parecer primários ou panfletários. Tudo isso também sem a ambição de levantar alguma bandeira declarando que são parte de um movimento local ou terceiro mundista. E, diferentemente do "velho novo cinema argentino", que abriu seu espaço pela via independente, os mexicanos estão entrando em Hollywood pela porta da frente.

Divulgação
Cate Blanchett e Brad Pitt em cena de "Babel"
Cate Blanchett e Brad Pitt em cena de "Babel"
As indicações para o Oscar deste ano, que saíram na última terça-feira, só confirmam isso. Juntos, "Babel" (Alejandro Iñárritu), "O Labirinto do Fauno" (Guillermo Del Toro) e "Filhos da Esperança" (Alfonso Cuarón) reúnem 16 indicações.

Dois desses filmes estão atualmente em cartaz em São Paulo. O mais celebrado é "Babel" --sete indicações, incluindo as principais, de diretor e filme. Eu, particularmente, não gostei. Achei aflitivo e arrastado demais. Mas as questões que levanta, a riqueza com a qual retrata os lugares onde a história acontece e a dramaticidade com que os personagens desvelam os "papéis" que desempenham nesse enredo global é eficiente e vai direto ao ponto.

Usando a mesma fórmula aplicada em seus filmes anteriores --"Amores Brutos" (2000) e "21 Gramas" (2003)--, o cineasta Alejandro Iñárritu, junto a seu fiel (até outro dia, pois brigaram feio) roteirista, Guillermo Arriaga, elabora três planos de narrativa cujas conexões têm de ser feitas antes na cabeça do espectador até que se concretizem na tela.

No Marrocos, uma turista norte-americana é atingida por uma bala perdida, disparada por dois garotos do deserto que estavam brincando com um rifle. Em San Diego, nos EUA, uma babá mexicana que não consegue folga no dia do casamento de seu filho, do outro lado da fronteira, resolve levar com ela as crianças loirinhas de quem cuida. Por fim, no Japão, uma moça surda e muda atormentada pela morte da mãe desespera-se com a idéia de que nunca nenhum homem se interessará por ela por causa de sua deficiência.

A preocupação de amarrar direitinho as pontas do roteiro é excessiva e aborrece um pouco, mas há poucas das questões que angustiam o planeta nesses tempos que não estejam latentes nos excelentes diálogos, mesmo que escondidos em suas entrelinhas: terrorismo, imigração, pobreza, o dito "choque de civilizações", crise das relações entre os sexos etc. Sintomático da preocupação de Iñárritu e Arriaga com a universalidade do filme é a escolha de atores como o norte-americano Brad Pitt e a australiana Cate Blanchett para atuar ao lado do mexicano Gael García Bernal.

Divulgação
Cineasta mexicano Guillermo del Toro transita entre Hollywood e a Espanha no filme
Cineasta mexicano Guillermo del Toro transita entre Hollywood e a Espanha no filme
Com seis indicações ao Oscar (entre elas a de roteiro original), "O Labirinto do Fauno", é um thriller político como nunca se fez. Também em cartaz no Brasil, o filme de Guillermo Del Toro acontece em dois níveis. Uma parte da história se passa numa paisagem interiorana da Espanha de 1944, quando o que sobrou das milícias republicanas se esconde nas montanhas ensaiando contra-ataques, enquanto postos avançados do exército franquista tentam "restabelecer a ordem" no país.

A outra parte da história se passa, aparentemente, na cabeça da menina Ofelia. Ali, ela seria uma princesa que fugiu de um mundo encantado e que, para retornar a ele, deve passar em determinadas provas estabelecidas por um fauno que parece querer o seu bem, mas é exigente e ambíguo.

Del Toro, assim como os criadores de "Babel", faz uso de artifícios já conhecidos. Em seu filme "El Espinazo del Diablo" (2001), o protagonista era um garotinho também atormentado pelo sobrenatural (no caso, o fantasma de um menino morto), que vivia sob o clima de medo da mesma Guerra Civil Espanhola.

A mescla de um ambiente "Senhor dos Anéis" com um enredo meio Ken Loach mostra como já não existem mais barreiras nacionais para o uso de certos ingredientes. "Labirinto" é um filme espanhol que concorre ao Oscar pelo México, tratando a Guerra Civil, mas ao mesmo tempo dando um chute nos usuais romances históricos do cinema ao colocar faunos e mandrágoras como personagens ativos na trama... Na seção fantasiosa da mesma, ainda, portais são abertos em vários cantos do mundo para que a menina-princesa seja encontrada. Metáfora sobre a possibilidade de contar uma mesma história em qualquer tempo ou espaço.

Um outro diretor que se enquadra no time dos "mexicanos globalizados" é Alfonso Cuarón, com o também thriller político "Filhos da Esperança" --que, infelizmente, ficou muito pouco tempo em cartaz em São Paulo. O cineasta, que já havia transposto para as telas uma história mágica criada num país distante do seu, "Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban", desta vez constrói uma semi-ficção científica --e meio a la Orwell-- para dar cor a um mundo doente às vésperas de uma quase inevitável extinção.

A história se passa em 2027, quando a espécie humana está desaparecendo --a pessoa mais jovem do planeta, que tinha 18 anos, acaba de morrer e ninguém mais nasce. Um mundo em que já não há mais crianças. Nesse cenário são recriados --com detalhes horripilantes-- as torturas de Abu Ghraib, a prisão de Guantánamo, as barreiras que imigrantes enfrentam para entrar numa Inglaterra apocalíptica, entre outras coisas. A história se passa daqui a 20 anos, mas o que se revela em "Filhos da Esperança" são os pavores do homem de hoje.

Ou seja, quem acha que no México só se fazem melodramas televisivos já não entende mais esse planeta.
Sylvia Colombo, 35, é repórter da Ilustrada, onde escreve sobre livros, cinema e música. Formada em história pela USP e jornalismo pela PUC-SP, foi editora de Especiais, Folhateen e Folhinha, e correspondente em Londres. Escreve às sextas.

E-mail: scolombo@folhasp.com.br

Leia as colunas anteriores

//-->

FolhaShop

Digite produto
ou marca