Pensata

Valdo Cruz

03/04/2007

Sem medo de ser infeliz

Numa das campanhas em que Luiz Inácio Lula da Silva perdeu a disputa pela Presidência da República, o slogan do petista era "Sem medo de ser feliz". Pois bem, depois que conquistou o Palácio do Planalto, Lula parece comandar um governo em que seus auxiliares e aliados demonstram exatamente o contrário: não têm medo de ser infelizes. Afinal, se não tem crise no horizonte, se o céu é de brigadeiro --se bem que esse não é um termo bem apropriado atualmente--, eles rapidamente criam uma.

Lula tinha tudo para estar vivendo um momento de bem com a vida. Montou uma ampla base no Congresso, a inflação está baixa, as reservas internacionais explodiram, sobra dólar no mercado e a economia cresce num ritmo superior a 4% hoje --não significa que ficará assim até o final do ano, mas esse é o ritmo atual. Mas algo tinha de atrapalhar o cenário positivo, produzido exatamente pelo próprio governo ou por aliados, como aconteceu antes com os casos Waldomiro Diniz, mensalão, sanguessugas e caseirogate. E, então, fez-se a crise aérea. Não num passe de mágica, mas fornida ao longo dos últimos seis meses.

Como os petistas adoram uma turbulência, não bastava a crise aérea. Daí que veio a militar a tiracolo. Agora, Lula vai correr contra o tempo perdido. Tivesse ele sido mais enérgico nos atos, não apenas no discurso, não estaria sendo obrigado a ver seu rico capital político correndo o sério risco de se desvalorizar nesse início de segundo mandato.

É fato que a FAB (Força Aérea Brasileira) mostrou certa incompetência para gerir esse caos que se transformou rotineiro nos últimos meses. É fato também que o ministro da Defesa, Waldir Pires, demonstrou ser o homem errado para comandar o setor nesse momento. Além de não articular medidas para superar a crise, estimulou-a ao ter uma posição muitas vezes simpática à ação dos controladores de vôo. Deve ter se esquecido de que estava do outro lado do balcão, que sua função era garantir o bom funcionamento do sistema de tráfego aéreo.

Agora, também é fato que faltou ao presidente a decisão de tomar o controle da situação e exigir soluções concretas. Se não lhe deram informações corretas da real situação da crise, então alguém abaixo dele falhou, um subordinado seu. No final das contas, a responsabilidade é dele, que comanda. No caso do caos aéreo, parece que isso ele não vinha fazendo.




Recuar não é vergonha

Lula recuou. Depois de quebrar a hierarquia militar, decidiu atender o pedido dos comandantes militares e não vai evitar punições aos amotinados. Convenceu-se de que poderia estimular outra rebeliões, não só no tráfego aéreo, mas também em outras áreas militares --da Aeronáutica, Exército e Marinha.

Naquela sexta-feira, a bordo do Aerolula, o presidente acreditou estar tomando a medida mais correta. Cedeu às pressões dos grevistas para que os aeroportos brasileiros voltassem a funcionar. Ali, naquele momento, não tinha outra alternativa. Agora, sente que deve tomar outro caminho. Se aquela decisão poderia se transformar num grande erro nos próximos dias e meses, então não há por que não recuar. Afinal, o pior dos erros é persistir no erro. Não está claro, porém, que rumo tomará a atual crise aérea. A conferir.




Embraer

Na última sexta-feira, dia dos caos completo nos aeroportos, um grupo de diretores da Embraer estava em Brasília para reunião com a Aeronáutica. O encontro acabou cancelado por conta da crise aérea. Ao serem informados da completa confusão nos aeroportos, os diretores da Embraer não pensaram duas vezes: foram direto para a rodoviária de Brasília. Pegaram um ônibus leito e chegaram a São Paulo no sábado por volta das 10h. Um deles teve a curiosidade de checar a que horas o vôo em que retornariam chegou. Descobriu que o avião pousou na capital paulista somente às 17h de sábado. Saíram no lucro, depois do prejuízo.
Valdo Cruz Valdo Cruz, 46, é repórter especial da Folha. Foi diretor-executivo da Sucursal de Brasília durante os dois mandatos de FHC e no primeiro de Lula. Ocupou a secretaria de redação da sucursal e atuou como repórter de economia. Escreve às terças.

E-mail: valdo@folhasp.com.br

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