Pensata

Valdo Cruz

24/04/2007

Desobstruindo canais

Entre encontros públicos e reservados, Luiz Inácio Lula da Silva tem dedicado um espaço em sua agenda a receber parlamentares da oposição. Engana-se quem pensa que seu alvo é apenas o PSDB. Quer ganhar também a simpatia de gente dos Democratas, o antigo PFL. Lula sabe que vai precisar dos votos oposicionistas, principalmente no Senado, caso queira evitar dissabores nas CPIs do Apagão Aéreo e aprovar medidas como a prorrogação da CPMF (imposto do cheque) e da DRU (mecanismo que libera o governo a gastar livremente 20% das receitas vinculadas da despesas específicas da União).

Recentemente, Lula recebeu numa agenda reservada em seu gabinete o senador Jaime Campos (DEM-MT). Filiado ao partido mais beligerante em relação ao governo Lula, Campos travou um diálogo com o presidente que lhe soou como música. Disse que não deixará de ser oposição, mas acrescentou que sabe andar com as "próprias pernas". Tradução: não seguirá totalmente a linha da cúpula partidária, podendo votar a favor de temas de interesse do Palácio do Planalto no Senado.

A investida na seara dos Democratas não se restringe a Jaime Campos. O presidente recebeu o senador Romeu Tuma (DEM-SP) na segunda-feira, dia 23 de abril, e estava agendando audiência com outro senador democrata, Demóstenes Torres (GO), para terça-feira. Além deles, Lula deve buscar uma aproximação também com o senador Eliseu Resende (DEM-MG). Conta ainda com Edison Lobão (DEM-MA). Esse, porém, já joga com o governo por suas ligações com o ex-presidente José Sarney e não será surpresa se tomar o rumo de um partido governista em breve. O mesmo se especula sobre o senador Romeu Tuma.

Com esses movimentos, Lula espera minar o campo dos Democratas, partido que promete não lhe dar trégua. Ao mesmo tempo, seguirá no trabalho de boa vizinhança com o PSDB. Além dos contatos já feitos com o governador José Serra (PSDB-SP) e com o presidente dos tucanos, Tasso Jereissati, o presidente deseja estreitar relações com senadores como Arthur Virgílio (AM) e Eduardo Azeredo (MG).

Segundo assessores do presidente, o objetivo é "desobstruir canais" para buscar ter uma CPI do Apagão Aéreo funcionando de forma civilizada e aprovar medidas como a prorrogação da CPMF e da DRU, além dos projetos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e do PDE (Plano de Desenvolvimento da Educação). O fato é que, com um cenário róseo na economia, a oposição, principalmente o DEM, apega-se cada vez mais à CPI do Apagão Aéreo para criar problemas ao presidente Lula. Só que o presidente decidiu atacar o campo inimigo, cooptando antigos adversários. Se der certo, o DEM ficará cada vez mais isolado. Afinal, o PSDB, com nomes fortes para disputar a sucessão de Lula, demonstra desde o início do segundo mandato que não deseja nesses dois primeiros anos adotar a política do confronto. Daí que a CPI do Apagão Aéreo no Senado será criada, mas com a ajuda de tucanos e alguns democratas pode não funcionar a todo vapor. A conferir.




Os canais do empresariado

Por falar em estratégias para desobstruir canais de comunicação, um jantar reuniu recentemente o novo ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, e o presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria), Armando Monteiro. Logo depois de assumir o lugar de Luiz Fernando Furlan, Miguel Jorge deu declarações que não agradaram nem um pouco o setor empresarial. Suas palavras foram interpretadas mais ou menos assim: o empresariado precisa aprender a conviver com o câmbio baixo, as indústrias têm de ser modernizar e quem não souber se adaptar aos novos tempos não adianta buscar ajuda no ministério.

Após o jantar, Armando Monteiro disse compreender as primeiras declarações do novo ministro. "Não é fácil chegar ao governo, é preciso evitar críticas, mostrar que está fechado e solidário com uma posição de governo. Não significa que, internamente, ele não venha a defender interesses do setor empresarial. Tivemos uma conversa na qual mostrei nossa visão de política industrial. Depois do jantar, reforcei minha visão de que ele está equipado para exercer o cargo. Tem todas as condições para fixar sua agenda. É um quadro maduro e articulado."

Deputado pelo PTB de Pernambuco, o presidente da CNI faz questão de destacar que, apesar da surpresa com a nomeação de Miguel Jorge para o posto, se colocou "numa posição favorável desde o início, afinal ele sabe como funciona o processo de decisão de governo, valoriza a interlocução política e tem experiência em negociações".

Em outras palavras, depois das reações negativas no setor empresarial, Armando Monteiro buscou também "desobstruir os canais" com o novo ministro do Desenvolvimento. O setor, agora, deseja dar um "voto de confiança" a Miguel Jorge. Voto que só aumentou com a nomeação de Luciano Coutinho para presidir o BNDES, nome que agradou o empresariado desde o início.

O risco de obstruir canais

Há, na cena política, algo que pode obstruir canais. Não com a oposição, mas com os governistas. A partilha de cargos de segundo escalão. A lista dos pleitos dos partidos do governo de coalizão já está nas mãos do governo. Walfrido dos Mares Guia pediu trinta dias para equacionar todas as pendências. Nem todos serão atendidos. O equilíbrio no jogo de ganhos e perdas é que determinará se canais serão obstruídos ou se eles continuarão livres para os planos do presidente Lula no Congresso.
Valdo Cruz Valdo Cruz, 46, é repórter especial da Folha. Foi diretor-executivo da Sucursal de Brasília durante os dois mandatos de FHC e no primeiro de Lula. Ocupou a secretaria de redação da sucursal e atuou como repórter de economia. Escreve às terças.

E-mail: valdo@folhasp.com.br

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