Pensata

Valdo Cruz

22/05/2007

A história de uma ponte símbolo de corrupção

A imagem símbolo da Operação Navalha, na minha opinião, não são as das prisões de políticos, empresários e servidores públicos, mas aquela que registra uma ponte construída no Maranhão pela empreiteira Gautama, apontada pela Polícia Federal como chefe de uma organização criminosa especializada em fraudar licitações públicas e receber recursos de obras nunca realizadas.

Polícia Federal
Ponte inacabada construída pela Gautama em Tutóia, no Maranhão
Ponte inacabada construída pela Gautama em Tutóia, no Maranhão
A foto, publicada por todos os jornais, é uma ofensa ao contribuinte brasileiro. Dinheiro seu, meu e nosso, aquele que somos obrigados a pagar ao Estado brasileiro, foi usado para erguer um símbolo da corrupção no país. Simplesmente a ponte está erguida como um monumento no meio do nada. Não tem estrada nem de um lado nem de outro.

Segundo consta, a empreiteira apresentou um projeto para construção da dita cuja. Recebeu a verba para tocar a obra. Só que o projeto seria totalmente falso, forjado apenas para que fosse feita uma partilha de recursos públicos, segundo investigação da Polícia Federal.

Aí, surgiu uma pedra no caminho. Fizeram uma denúncia de que a empreiteira estaria recebendo recursos por obras fantasmas. Corre daqui, corre dali, a solução para fugir de uma investigação foi: "Vamos construir a ponte". Como o projeto era totalmente fajuto, não houve outra saída. Ergueu-se a ponte que liga nada a lugar nenhum.

A prática de obras fantasmas no Maranhão, durante o governo passado de José Reinaldo Tavares, seria uma prática corriqueira de acordo com as investigações da PF. O governador nega, mas documentos mostram que empreiteiras receberam verbas para construir várias estradas entre cidades que não existem. Em outras palavras, empresários enfiaram o dinheiro público no bolso e não passaram nem um tratorzinho para abrir uma estrada. Óbvio que a PF suspeita que não só os empresários ficaram com o dinheiro. Parte deve ter irrigado cofres de políticos.




Relações fisiológicas

Chefe da Polícia Federal, o ministro Tarso Genro (Justiça) vem sofrendo pressão de tudo que é lado por causa da Operação Navalha. Afinal, sobrou para todos os principais partidos políticos. Tarso recusa qualquer tipo de interferência nas investigações. Tem dito isso a todos que o procuram. Mas tem dito também que está exigindo da PF rigor técnico dos agentes.

O ministro diz que sua "preocupação é que as coisas se encaminhem mais tecnicamente possível, porque nesses momentos sempre tem uma dose de aproveitamento político". Nessa linha, diz ter pedido à PF para não confundir "relações que são condenáveis do ponto de vista político, fisiológicas, com relações delituosas".

Segundo ele, o governo tem de ter uma "postura muito ponderável e saber separar o que é relação fisiológica, tradição política negativa do país daquilo do que é efetivamente delito, crime, para que tudo não seja colocado dentro do saco".

Ele lembra ainda que manter relações de amizade com determinadas pessoas nem sempre significa conivência com seus atos. Seu alvo é a divulgação de nomes de políticos, muitos da base de apoio, como o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que têm uma relação próxima com o empreiteiro Zuleido Veras, apontado pela PF como líder do que seria a organização criminosa voltada para fraudar licitações públicas.

"Ter relação com alguém envolvido em crime não quer dizer que você também é criminoso. É preciso separar de forma adequada, de forma que não se torne uma espécie de inquisitório de terceiro mundo."
Valdo Cruz Valdo Cruz, 46, é repórter especial da Folha. Foi diretor-executivo da Sucursal de Brasília durante os dois mandatos de FHC e no primeiro de Lula. Ocupou a secretaria de redação da sucursal e atuou como repórter de economia. Escreve às terças.

E-mail: valdo@folhasp.com.br

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