Pensata

Carlos Heitor Cony

02/09/2003

O botão fatal

Nada entendo de foguetes espaciais, o que não chega a ser vantagem, pois quase nada entendo de tudo. Mas andei lendo sobre a tragédia de Alcântara e fiquei sabendo que entre as causas possíveis, uma delas seria uma invasão casual ou propositada nos computadores que monitoravam o ensaio de um próximo lançamento.

Quase no mesmo dia, vi na TV a prisão de um gorducho rapaz de óculos, tipo que antigamente a gente chamava de "bolão do Vasco". O sujeito, mal saído da adolescência, criara um vírus que infectara milhões de computadores em todo o mundo.

Sempre me preocupei com a idéia de um botão que pudesse acabar não apenas com o mundo, mas com o universo inteiro. Alguma coisa parecida com aquela campainha que o personagem de Eça tocou e matou um mandarim na China, que a quilômetros de distância, vestido em sua túnica amarela, estava empinando um papagaio e caiu fulminado, deixando fabulosa fortuna para o obscuro funcionário de Lisboa.

No tempo de Eça, isso seria impossível. Mas agora, no meu tempo, é uma possibilidade que me fascina e angustia. Ninguém precisa temer que eu faça uma besteira dessas, não por virtude mas por ignorância. Do mundo digital sei o básico, o suficiente para ler e escrever "Vovô viu a uva".

Mas há muita gente que sabe mais do que isso e maníacos sempre deixaram rastros na história. As possibilidades da informática são infinitas e as infinitas coordenadas podem dar a um jovem despreparado o poder de bagunçar não apenas a rede de computadores em todo mundo, mas de criar uma pane nos transportes, nas contas bancárias, no fornecimento de luz e água.

Marconi iluminou a estátua do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, se não estou enganado, a bordo de seu iate ancorado na baía de Gênova. Usou as ondas de sua invenção, o rádio. Invertendo-se o pólo de sua façanha tecnológica, um cara qualquer pode apagar não apenas a mesma estátua mas tudo o que é luz, energia e vida.
Carlos Heitor Cony, 80, é membro do Conselho Editorial da Folha. Romancista e cronista, Cony foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 2000. Escreve para a Folha Online às terças.

E-mail: cony@uol.com.br

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