Pensata

Carlos Heitor Cony

23/03/2004

Lula lá e cá

Pouco a pouco, e independentemente dos escândalos que começam a bagunçar o alto escalão do governo, percebe-se que o Brasil quase nada aprendeu ao longo de seus 500 e tantos anos de história.

Com honrosa exceção de alguns curtos períodos de desenvolvimento, limitamo-nos a crescer vegetativamente, o que não deixa de ser um lucro. Pior seria se ficássemos na fase mineral: uma cenoura tem mais vida do que um percevejo, desses de metal, que servem para prender um papel na parede.

A comparação pode parecer polêmica, como polêmica é a própria trajetória do país ao longo desses cinco séculos de existência historicizada.

Não poupamos experiências e regimes, desde o colonial, o imperial, o republicano, o ditatorial (Floriano, Vargas, militares de 64). Tivemos austeridade fiscal com Campos Sales e desperdício com Dutra que torrou em cadilacs e matérias plásticas a economia em dólares que fomos obrigados a fazer durante a 2ª Guerra Mundial.

Contudo, acredito que nunca tivemos tanta e tamanha frustração do que agora, quando levamos ao poder, de forma democrática e limpa, o primeiro homem saído realmente do povo. Ninguém esperava dele que fosse um Solon, um Licurgo, um Tito, que foi considerado a "delícia do gênero humano".

O antigo pau-de-arara, o antigo metalúrgico com um dedo decepado pela máquina, que tanta esperança despertou, inicia seu segundo ano de mandato desorientado, com muita exposição na mídia, falando muito e trabalhando pouco. Materialmente, nada fez até agora, não acabou com a fome nem com o desemprego. E a justiça social que prometeu ao país continua "lá", enquanto Lula mas do que nunca continua "cá".
Carlos Heitor Cony, 80, é membro do Conselho Editorial da Folha. Romancista e cronista, Cony foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 2000. Escreve para a Folha Online às terças.

E-mail: cony@uol.com.br

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