Pensata

Carlos Heitor Cony

30/03/2004

O direito de informar

Um juiz de menores no Rio de Janeiro proibiu que se declare a cor das crianças oferecidas ou pedidas para a adoção legal. Sem entrar no mérito da decisão, que procura combater o preconceito com a cor, fico pensando se não seria o caso de se evitar, na mídia em geral, as classificações a que estamos habituados.

Há jornais que colocam obrigatoriamente, após a citação de alguém, a idade e outros atributos profissionais ou sociais: "João da Silva, 45, estivador aposentado." Durante mais de 30 anos, dom Eugênio Salles, cardeal-arcebispo do Rio, que escreve até hoje em jornais, é sempre apresentado como "cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro", sendo que agora, lhe acrescentaram um pormenor esclarecedor: "cardeal-arcebispo emérito do Rio de Janeiro".

O professor Cândido Mendes, outro articulista habitual da imprensa, merece cinco ou seis linhas com suas múltiplas ocupações. Ainda bem que os manuais de redação em vigor nos jornais mais importantes, os mesmos que exigem a idade e a profissão óbvia do cara, não obriguem ao credito racial, religioso e esportivo. Exemplo: "Carlos Heitor Cony, 78, branco, agnóstico, tricolor, sangue A negativo, soropositivo também negativo etc."

Aprende-se nos cursos de jornalismo que o direito de informar a sociedade é sagrado, e que dita informação deve ser veraz e completa. O fato de até agora os manuais não obrigarem a declaração da cor dos personagens citados deve ser saudada como um avanço no combate ao preconceito. Mas como espírito de porco cujo prazo de validade ainda não se extinguiu de todo, cabe-me perguntar: e o direito de informar a verdade completa não conta?
Carlos Heitor Cony, 80, é membro do Conselho Editorial da Folha. Romancista e cronista, Cony foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 2000. Escreve para a Folha Online às terças.

E-mail: cony@uol.com.br

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