Pensata

Carlos Heitor Cony

27/04/2004

Sobre o sexo dos anjos

Como se não bastassem os problemas que nos afligem, com violências nas cidades e nos campos, esquartejamentos em penitenciárias rebeladas e corrupção nas altas esferas da administração pública, a mídia de repente decidiu se preocupar com a castidade dos padres. Ficamos sabendo que 41% dos sacerdotes católicos já mantiveram relações com mulheres em nível acima do platônico.

O mundo não virá abaixo por causa disso. É problema que diz respeito ao indivíduo que faz voto de castidade e não o cumpre. Em absoluto interfere com o ministério pastoral. Um médico leproso ou aidético pode curar ou melhorar as condições de vida de um portador da mesma doença.

Curiosamente, recebi um e-mail que me ensinou o que eu não sabia. A castidade teria sido inventada pelos católicos, e os dez mandamentos de Moisés são realmente nove. O sexto mandamento, que na Bíblia judaica-cristã diz textualmente "não pecar contra a castidade", segundo o missivista, diz apenas "não matarás", que todo mundo pensa ser o quinto.

Outra confusão sobre o assunto: o celibato dos padres católicos não é dogma de fé, mas simples costume. Pode ser abolido a qualquer momento. A castidade é apenas uma virtude, como a humildade, a caridade e até mesmo a pobreza, há ordens religiosas em que o voto de pobreza é obrigatório. Faz quem quer e pode.

Um papa ou um concílio podem abolir o celibato dos sacerdotes. Não podem, porém, proibir que qualquer um pratique com lucidez uma virtude. Ninguém tem a obrigação de ser casto, humilde ou caridoso. A virtude é uma força, não um poder.
Carlos Heitor Cony, 80, é membro do Conselho Editorial da Folha. Romancista e cronista, Cony foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 2000. Escreve para a Folha Online às terças.

E-mail: cony@uol.com.br

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