Pensata

Carlos Heitor Cony

04/05/2004

S. Exa., o leitor

Deus é testemunha de que nada tenho contra os leitores. Pelo contrário, se não existissem esses abnegados, não haveria livros nem jornais e eu teria morrido de fome e tédio há muitos anos. Mas vamos e venhamos, não devemos nos escravizar a eles, bajulando-os, procurando adivinhar o que eles pensam ou desejam. Ao contrário dos restaurantes e balcões comerciais, nem sempre os fregueses do nosso produto têm razão.

Leio com atenção as cartas que as redações recebem diariamente. Evidente que o critério muda de jornal para jornal, mas no caso da Folha, que publica minhas crônicas, as opiniões contrárias à linha editorial são mais frequentes e radicais. Raro é o dia em que não aparece um leitor furibundo comunicando que não mais assinará nem lerá o jornal por causa de uma notícia ou comentário que ele não aprovou.

Trabalhei durante anos num jornal que até o dia 1º de abril de l964 criticava asperamente o governo de então. Veio o golpe militar e já no dia 2 o jornal passou a criticar o novo regime que se instalava no país. Naquele tempo, o jornal tinha uns 100 mil, 150 mil assinantes, era troço pra burro, estava no topo da imprensa carioca como o órgão mais influente e de maior vendagem avulsa.

A cólera dos leitores foi tal e tamanha que, ao final do mês, a tiragem chegou à metade. Mas dois meses depois, o estoque de papel que deveria durar um ano, foi consumida pelas rotativas. As assinaturas e a venda de banca dobraram. O jornal era vendido até no câmbio negro. Não mudara a linha editorial que era liberal e conservadora. Apenas não compactuava com a burrice e a violência.

Curioso como a história se repete.
Carlos Heitor Cony, 80, é membro do Conselho Editorial da Folha. Romancista e cronista, Cony foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 2000. Escreve para a Folha Online às terças.

E-mail: cony@uol.com.br

Leia as colunas anteriores

//-->

FolhaShop

Digite produto
ou marca