Pensata

Carlos Heitor Cony

13/07/2004

A lipoaspiração e o rato

O ministro Jobim sugeriu que seja feita uma lipoaspiração na Constituição, que já nasceu obesa. Sem entrar no mérito da cirurgia em si, se é ou não necessária, verifica-se que apesar de jovem, promulgada em 1988, nossa Carta Magna tem poucas possibilidades de resistir ao tempo.

Tirando gordura aqui, metendo silicone ali, recebendo algumas tatuagens caprichadas nos devidos lugares, ela poderá adquirir um visual moderninho, mesmo assim, revelará a pouca ou nenhuma importância que damos à nossa lei maior.

Bem verdade que além de obesa, ela está cheia de celulites e varizes, quase diariamente nasce uma, em forma de Medida Provisória, MP para os íntimos.

E quando nela se mexe, cortando ou aumentando um pedaço, há sempre um destinatário certo que geralmente, além de destinatário, é também beneficiário. O caso mais gritante foi o da reeleição de FHC.

Acredito que o ministro Jobim tenha falado com boa vontade e isenção, propondo um enxugamento técnico na Constituição. Mas se o assunto cair no Congresso, os critérios da lipoaspiração serão políticos e é possível que, ao contrário do que pretende o ministro, a Carta Magna fique mais obesa ainda, com artigos enxertados para resolver (ou complicar) problemas menores, problemas de circunstância, com endereço certo para criar privilégios ou eliminar direitos tradicionais.

Toda vez que pensam em mudar a Constituição, o principal interessado é sempre o governo. Manipula suas bases no Congresso da mesma forma com que se empenha para obter aprovação de uma medida que lhe interessa. Cargos e verbas dançam vertiginosamente e na maioria das vezes, a montanha produz um rato.
Carlos Heitor Cony, 80, é membro do Conselho Editorial da Folha. Romancista e cronista, Cony foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 2000. Escreve para a Folha Online às terças.

E-mail: cony@uol.com.br

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