Pensata

Carlos Heitor Cony

10/08/2004

Calcanhar de Aquiles

Tinha de terminar assim. O jornalismo dito investigativo, com honrosas e raríssimas exceções, derivou para um tipo de denuncismo que aparentemente justifica tudo, ganhando imensos espaços na mídia. A massa de denúncias é tal e tanta que acaba esvaziando cada denúncia. No caso de Waldomiro Diniz, por exemplo, a investigação foi até moderada mas eficaz. Revelou toda uma rede de graves irregularidades, criou o primeiro escândalo sério que abalou o governo como um todo, mas ficou limitado em si mesmo, e por isso, provocou maior impacto. Outro exemplo mais ou menos recente foi o do juiz Nicolau.

Mas prevalece, quase semanalmente, o escândalo da vez. Sem entrar no mérito de cada denúncia (a compra de um terreno em Vassouras por um real atribuída ao presidente do Banco Central, homem de reconhecidas posses), percebe-se que além do natural e necessário acompanhamento da mídia sobre a vida nacional, há interesses de grupo dentro e fora do governo no sentido de fritar ou descartar personalidades públicas.

Seria exagero comparar o caso de Meirelles com o de Maluf, este bem mais antigo e notório. Mas a massa de acusações oficiais e oficiosas que pesam sobre o ex-prefeito, a demonização de sua imagem pela mídia, e mais uma vez sem entrar mérito, mas no volume e na gravidade das acusações, revela que alguma coisa não é exatamente o que a mídia mostra, sendo que a recíproca não é exatamente o contrário: as desculpas de Maluf nem sempre convencem.

O caso Meirelles, por ser mais recente e dirigido, em pouco tempo criou uma teia de suspeitas que desde a sua nomeação, no início do atual governo, teria de estourar mais cedo ou mais tarde. A equipe econômica, que tantos elogios recebe do FMI e dos banqueiros nacionais, tem como qualquer organismo humano, dois calcanhares de Aquiles, um em cada pé. Um deles já foi atravessado pela lança adversária.
Carlos Heitor Cony, 80, é membro do Conselho Editorial da Folha. Romancista e cronista, Cony foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 2000. Escreve para a Folha Online às terças.

E-mail: cony@uol.com.br

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