Pensata

Carlos Heitor Cony

19/10/2004

A sede e a água

O ditado é antigo. Recebeu a confirmação, o veredicto dos séculos. Nunca se deve dizer: "Desta água não beberei", na vida de cada um de nós, no dia a dia de nossos desafios e deslumbramentos, o bom senso e a experiência, a nossa e a alheia, recomendam cuidado a respeito da água que em dado momento desdenhamos, achando que nunca beberemos dela. Nunca se sabe o dia de amanhã.

O deputado José Genoíno, presidente do PT, no passado e até recentemente, preferiria morrer de sede, no mais escaldante dos desertos, a aceitar a água de Paulo Maluf, no suculento oásis criado pelo segundo turno das eleições na capital paulista.

Em princípio, não se devia estranhar a opção que o partido dos trabalhadores será obrigado a engolir. Faz parte do jogo político formar e aceitar alianças pontuais. Acontece que entre o PT e Maluf o fosso não é apenas político nem ideológico. É pessoal, visceral, integral.

Evidente que Genoíno, Marta Suplicy, todo e qualquer petista de São Paulo e do resto do Brasil, garantirão que o partido não firmará nenhum acordo com Maluf, não lhe dará qualquer compensação em caso de vitória. Afinal, quem ficou sem opção foi o próprio Maluf, que terá de apoiar um ou outro de seus adversários.

Se Marta vencer a parada, Maluf terá um argumento poderoso não para pleitear qualquer coisa do governo municipal petista, mas para engrossar a sua crítica com mais autoridade. Dirá que a prefeita traiu o eleitorado, traiu inclusive a Maluf e aos malufistas que nela votaram, esperando um governo bom e decente, e, no entanto, etc etc.

E não adiantará a Marta alegar que nada pediu a Maluf. Ela só chegará ao segundo mandato se beber aquela água que jurou nunca beber.
Carlos Heitor Cony, 80, é membro do Conselho Editorial da Folha. Romancista e cronista, Cony foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 2000. Escreve para a Folha Online às terças.

E-mail: cony@uol.com.br

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